Ferrugem

Posted: 1st maio 2015 by Denys Presman in Crônicas
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A culpa não era do Ferrugem. Mas alguém avisou a polícia, e sabe como é. Negro e ruivo não é um tipo muito comum.

Ele ainda tentou se explicar. Não teve conversa. Todo mundo pra delegacia.

O delegado, um tipão clássico, juntou uma plateia e foi “direto” ao ponto.

– Você deve estar se perguntando por que está aqui.

Ferrugem não tinha a mínima ideia do porquê, porém, nervoso, acabou falando.

– É por causa da Maresia, doutor?

O nome Maresia soou como uma piada de mau gosto e causou um certo alvoroço. A escrivã anotava tudo. O grande contingente de policiais presente na sala fez barulho. Outros mais exaltados pressionavam. O delegado tentava entender.

– É por causa dela?

Maresia foi um amor que veio como um vento forte, úmido, corroendo o mais ferroso coração. Foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça. Ferrugem se emocionou. As coisas não tinham acabado bem entre eles.

O delegado deu corda. Alguns policiais sussurravam “é por causa da Maresia, sim”, outros retrucavam “ela não tem nada com isso.”

Em algum momento, a informação veio. A alcunha “Ferrugem” havia surgido no decorrer de uma investigação. Ele estava ali para averiguação.

– Averiguação, doutor?

Ferrugem suava.

– Olha, filhão, você sabe que nós estamos aqui para te ajudar a se ajudar, certo?

– Certo, doutor.

– Então… acredito que não quer encrenca pro seu lado. Tá vendo a quantidade de policial que está aqui diretamente interessado no seu caso?

– É sério, não é, doutor?

O delegado percebeu a sinceridade na fala do interrogado. Ferrugem iria colaborar.

– Me conte um pouco de você. Filho único? Mãe solteira? Cursou só até a quarta série? Trabalhador, só que não esquenta a bunda em trabalho nenhum?

Tudo conferia. A cada pergunta, a “plateia” ficava mais agitada.

– Negro e ruivo.

– Sim, sou sim.

– Isso chamou atenção.

– Sempre chama.

– Por que te chamam de Ferrugem?

Silêncio total.

– Ora doutor….

Alguém do fundo gritou: – Fala logo!

Ferrugem se fechou.

– Por que isso é relevante?

Os policiais se irritaram. Xingamentos de tudo que era lado. Vaias. O Delegado ameaçou dar até um tiro pra cima. Não foi preciso. Deram um copo d’água à Ferrugem. Ele aceitou.  O interrogatório recomeçou.

– Não é todo dia que nos deparamos com um negro ruivo. E sabemos que os ruivos são chamados de Ferrugem por conta das pintas ruivas no rosto. E você não tem pintas no rosto.

– Não, não tenho, doutor.

– Presta atenção, é importante. Por que te chamam de Ferrugem?

– Então… a Maresia doutor, a garota que namorei….

No meio de todos os policiais, um sargento começa a gritar.

– Ganhei… ganhei… ganhei a aposta. Sabia que era apelido de namorado!

Responsável por anotar os palpites, a escrivã confirmou a aposta feita. Já separava o dinheiro quando Ferrugem se pronunciou novamente.

– Ahhhh, por que não falaram logo que era uma aposta? Não é apelido de namorado não.

O sargento correu pra pegar o dinheiro. Seus companheiros de farda, adversários de causa, não deixaram.

– A Maresia, doutor, me pegou com uma coroa na cama. Não me perdoou e espalhou o apelido de Ferrugem.

– Por que Ferrugem?

– Pois eu tirava a ferrugem da velharada. Nunca mais me deu bola. Uma pena.

Todos olharam para a escrivã. Ela fez o sinal com a cabeça. O delegado retomou a palavra.

– Acumulou!

Ferrugem ainda nem tinha sido liberado e já tinha uma patrulha indo buscar uma testemunha de um assalto em São Cristóvão: um anão conhecido como gigante.

 

 

Denys Presman é jornalista e brasileiro