A culpa não era do Ferrugem. Mas alguém avisou a polícia, e sabe como é. Negro e ruivo não é um tipo muito comum.
Ele ainda tentou se explicar. Não teve conversa. Todo mundo pra delegacia.
O delegado, um tipão clássico, juntou uma plateia e foi “direto” ao ponto.
– Você deve estar se perguntando por que está aqui.
Ferrugem não tinha a mínima ideia do porquê, porém, nervoso, acabou falando.
– É por causa da Maresia, doutor?
O nome Maresia soou como uma piada de mau gosto e causou um certo alvoroço. A escrivã anotava tudo. O grande contingente de policiais presente na sala fez barulho. Outros mais exaltados pressionavam. O delegado tentava entender.
– É por causa dela?
Maresia foi um amor que veio como um vento forte, úmido, corroendo o mais ferroso coração. Foi a primeira coisa que lhe veio à cabeça. Ferrugem se emocionou. As coisas não tinham acabado bem entre eles.
O delegado deu corda. Alguns policiais sussurravam “é por causa da Maresia, sim”, outros retrucavam “ela não tem nada com isso.”
Em algum momento, a informação veio. A alcunha “Ferrugem” havia surgido no decorrer de uma investigação. Ele estava ali para averiguação.
– Averiguação, doutor?
Ferrugem suava.
– Olha, filhão, você sabe que nós estamos aqui para te ajudar a se ajudar, certo?
– Certo, doutor.
– Então… acredito que não quer encrenca pro seu lado. Tá vendo a quantidade de policial que está aqui diretamente interessado no seu caso?
– É sério, não é, doutor?
O delegado percebeu a sinceridade na fala do interrogado. Ferrugem iria colaborar.
– Me conte um pouco de você. Filho único? Mãe solteira? Cursou só até a quarta série? Trabalhador, só que não esquenta a bunda em trabalho nenhum?
Tudo conferia. A cada pergunta, a “plateia” ficava mais agitada.
– Negro e ruivo.
– Sim, sou sim.
– Isso chamou atenção.
– Sempre chama.
– Por que te chamam de Ferrugem?
Silêncio total.
– Ora doutor….
Alguém do fundo gritou: – Fala logo!
Ferrugem se fechou.
– Por que isso é relevante?
Os policiais se irritaram. Xingamentos de tudo que era lado. Vaias. O Delegado ameaçou dar até um tiro pra cima. Não foi preciso. Deram um copo d’água à Ferrugem. Ele aceitou. O interrogatório recomeçou.
– Não é todo dia que nos deparamos com um negro ruivo. E sabemos que os ruivos são chamados de Ferrugem por conta das pintas ruivas no rosto. E você não tem pintas no rosto.
– Não, não tenho, doutor.
– Presta atenção, é importante. Por que te chamam de Ferrugem?
– Então… a Maresia doutor, a garota que namorei….
No meio de todos os policiais, um sargento começa a gritar.
– Ganhei… ganhei… ganhei a aposta. Sabia que era apelido de namorado!
Responsável por anotar os palpites, a escrivã confirmou a aposta feita. Já separava o dinheiro quando Ferrugem se pronunciou novamente.
– Ahhhh, por que não falaram logo que era uma aposta? Não é apelido de namorado não.
O sargento correu pra pegar o dinheiro. Seus companheiros de farda, adversários de causa, não deixaram.
– A Maresia, doutor, me pegou com uma coroa na cama. Não me perdoou e espalhou o apelido de Ferrugem.
– Por que Ferrugem?
– Pois eu tirava a ferrugem da velharada. Nunca mais me deu bola. Uma pena.
Todos olharam para a escrivã. Ela fez o sinal com a cabeça. O delegado retomou a palavra.
– Acumulou!
Ferrugem ainda nem tinha sido liberado e já tinha uma patrulha indo buscar uma testemunha de um assalto em São Cristóvão: um anão conhecido como gigante.
Denys Presman é jornalista e brasileiro