Julia

By Denys Presman


Julia

 

peça em dois atos por Denys Presman

Personagens

Julia

Diego

Felix

Grego

Mendigo

Dona Judith

Tiago

Garçom

 

Referência de Cenário

1º  ATO


(O Palco está dividido em três. Na parte de trás do palco, da extremidade direita a esquerda, formando um retângulo. Está o cenário da praia. A esquerda platéia, a frente do cenário da praia se encontra o quarto de Julia. A direita da platéia, um cenário de bar. Entre o quarto de Julia e o cenário da praia tem um pequeno espaço vazio. Segue em anexo desenho do cenário)

(Calçadão da Praia de Copacabana – Cenário de fundo de palco. Neste cenário tem um orelhão, um banco e um poste. Um mendigo está andando pelo palco com uma garrafa de cachaça na mão. Em vários momentos ele bebe da garrafa)

 

Mendigo – Todo homem de bem corre o risco de um dia terminar na mendigagem. Todos têm a sua história. Eu tenho a minha. E ela acaba aqui, sempre: comigo bebendo.

(Mendigo senta no chão e fica tomando cachaça – luz na mesa de bar – Cenário à direita da platéia – 3 amigos tomando cerveja. De vez em quando pedem ao Garçom uma cerveja nova.)

 

Felix – Tem um cara lá, foi Prêmio Nobel e tudo e ele dizia: “A única questão filosófica realmente válida é o suicídio.” Tirar a própria vida, sabe. Falar agora eu cansei, não quero mais saber disto tudo. É o controle do nosso destino.

Grego – Mas não era isso que ele queria dizer. Ele falava sobre vida. Sobre encarar a morte, entender que não temos controle sobre ela e, a partir daí, poder seguir adiante. Viver.

Diego – Besteira! Não é a partir da morte que a gente pode buscar a vida. Pelo menos não pela crença que a morte é o fim e que aí tudo acaba.

Felix – Vai falar que nunca pensou que um dia vai morrer, que você tem um fim? E se eu puxar uma arma e te matar?

Diego – Eu vou morrer e daí? A morte não me diz muita coisa. Eu acredito em algo mais. Não sou só um período cronológico. Uma linha reta entre os pontos A e B.

Grego – (quase que reclamando) Ah! Vai começar com aquele papo de novo?

Diego – O que posso fazer? Eu sou aquilo que eu acredito. Eu vivo o que eu acredito.

Felix – Tá bom.

Diego – É sério!

Grego – Diego, você diz que acredita, fala de tanta coisa e tá aqui com a gente… bebendo. Normalmente na farra. Que conduta, hein!

Diego – Cerveja não me faz um cara pior ou melhor.

Felix – (rindo) Te faz um cara mais bêbado.

Diego – Bêbados também fazem o bem.

Grego – (irônico) Bonito isso!

Diego – Você quer o quê? Isso é um papo de bar, só vale argumento de merda.

Grego – Sério que não te entendo. Um esotérico bebum. Faz aí um mantra da cerveja. Faz. Como é que é mesmo?

Felix – Birita (mmm) Birita (mmm) Birita (mmm)

Grego – Um farrista com uma bíblia na mão. Isso não pode não!

Diego – Grego, teu copo tá vazio, isso é que não pode!

Felix – (Chamando o Garçom) Ô Roberto Carlos…. Cerveja!

Diego – Agora, de fato, não sou um religioso ou um esotérico.

Grego – Você sempre com estes seus papos.

Diego – A verdade é que acredito em muitas coisas. Viver para religião não é uma delas. Acredito no bem e no mal. E na escolha de fazer qualquer um dos dois.

Felix – E como se escolhe? Como eu devo saber se devo fazer o bem ou mal?

Diego – Acho que depende mais do seu objetivo.

(Garçom trás uma cerveja)

Grego – (para o Garçom) Quanto tá o jogo?

Garçom/Roberto Carlos – Começou não, patrão.

Felix – Como assim, depende mais do meu objetivo?

Grego – Depende do que você quer da sua vida.

Felix – Não sei não….

Diego – É isso que eu penso. Me diga, Felix, o que você quer da sua vida?

Felix – O mesmo que todos querem.

Diego – E o que é isso?

Grego – Mulheres, iates, dinheiro….

Felix – (Rindo) É isso aí. Devo fazer o mal para conseguir isso tudo?

Diego – Que tipo de mal?

Felix – Sei lá. Jogo, drogas, prostituição, sair por aí dando golpes do vigário? Posso?

Diego (Rindo) O que você acha?

Felix – (brincado) Não sei… (pensado um instante) É, não sei.

Diego – O que vai te fazer decidir isso são seus valores pessoais.

Grego – E você Diego, qual o seu objetivo?

Diego – Quero o mais difícil. O mais improvável dos finais para qualquer homem.

Felix – E qual seria?

Diego – Quero ser feliz.

Grego – Só isso?

Diego – E é pouco?

Felix – E como se consegue isso?

Diego – Não tenho idéia. Acho que por tentativa e erro.

Grego – Já se perguntou do que você precisa para ser feliz?

Diego – Já.

Grego – E o que é?

Diego – Não ter medo.

Felix – Medo de quê?

Diego – Do que vem pela frente.

Felix – Da morte?

Diego – Já disse que a morte não me mete medo.

Grego – Disse, disse que acredita em algo mais…

Diego – E só o fato de acreditar… acreditar de verdade… ter fé… qualquer fé que seja, que isso, isso tira totalmente a força da morte. Eu particularmente entendo que este não é o meu fim.  Falando sério. Ter medo da morte? Isso eu não tenho.

Felix – Afinal, você tem medo de quê?

Diego – Tenho medo de ver o Mengão perder hoje.

Grego (rindo) Nem fala…

Felix – Palhaço.

Diego – Medo de verdade?

Felix – De verdade.

(Diego pensa um instante – perde o olhar – mas antes de responder Grego o interrompe)

Grego – (rindo) Ele não tem medo de nada. É um super-homem!

Felix – (rindo) E sai pelas ruas combatendo o crime, salvando a humanidade e resgatando mocinhas inocentes.  Três vivas para o nosso herói.

(Grego e Felix simultaneamente)

Felix – (rindo) Viva, viva, viva!

Grego – (rindo) Viva, viva, viva!

(Os dois brindam com a cerveja e viram o copo)

Diego (Surpreso e perdido) Como que é?

(Grego pega a garrafa de cerveja e enche o copo dos dois que beberam e completa o copo de Diego que bebia – sem virar – durante a cena)

Felix – (Rindo) Pois é… eu sei do seu bravo e heróico ato de hoje de manhã. O Grego me contou.

Diego – Porra, Grego!

Grego – Era segredo?

Diego – Este tipo de coisa não se fala.

Felix – Você é todo cheio de coisa!

Grego – Felix, Felix. Você tinha que ter visto o Diego.

Felix – Foi assim é…

Diego – Ele tá de sacanagem.

Grego – Estou nada. Você salvou a Julia.

Felix – (surpreso e preocupado) A Julia?

Diego – (com o olhar brilhante de apaixonado) É… a minha Julia.

 

(Apaga-se a luz do cenário do bar. Acende a luz no cenário a esquerda da platéia – É o quarto de Julia. Um quarto, com uma cama, uma janela para rua. Ela está dormindo. O rádio-despertador toca. É uma rádio AM, dando as notícias do dia. E ela continua dormindo)

 

Som da Rádio AM – Flamengo e Fluminense. O Fla x Flu promete mais uma vez parar a cidade. Grupos de torcedores já estão com seu ingresso para o jogo de logo mais. O assunto do dia é a partida. Só se fala nisto. Quem será o campeão, o melhor do Rio? (Vai diminuído o volume do rádio conforme escutam-se batidas na porta. É mãe de Julia) A ansiedade é grande. Acompanhe a nossa programação durante o dia para mais detalhes.

(Escuta-se a voz da mãe de Julia)

Dona Judith – Julia… Julia…

(Dona Judith entra no quarto e senta na cama da filha acordando a com muito carinho)

Dona Judith – Julia, Julia minha filha, acorde.

Julia – (Com sono) Que foi, mãe?

Dona Judith – Acorde.

Radio AM – Bom, este foi o técnico do Fluminense parecendo realmente otimista para o jogo de mais tarde.

Julia – (Ainda com sono, desligando o rádio) O que esta rádio está fazendo falando de futebol?

Dona Judith – Todas as rádios estão falando deste jogo. Só se fala sobre o Fla x Flu.

Julia – É hoje?

Dona Judith – Em que mundo você vive?

Julia – (Sorri, faz pequena pausa e olha para sua mãe) Em um mundo em que eu possa dormir até mais tarde.

Dona Judith – Nada disso. Vem ver, está a maior confusão lá fora

Vem ver menina. Da sua janela dá pra ver.

(Julia senta na cama – começa a dialogar com sua mãe. Ela é doce, mesmo de manhã. Dona Judith vai até a janela enquanto conversa com Julia)

Julia – Mas o que está acontecendo?

Dona Judith – Sabe aquele mendigo que sempre está pela praia, falando coisas que ninguém entende? Um que você leva comida?

Julia – Sei, mãe. O que tem ele?

Dona Judith – Está gritando na praça.

Julia – Como? Não estou entendendo nada.

Dona Judith – Venha, filha, venha cá ver?

(Escuta-se a voz do mendigo)

Voz do mendigo – (O volume da voz vai diminuindo durante a fala como se ele fosse se afastando) Eu sou livre! Eu sou livre! Eu sou livre! 

Julia – (levantando-se em direção à janela) Mas por que ele está gritando?

Dona Judith – Porque é um bêbado, um louco, um infeliz.

Julia – Mamãe, ninguém acaba na rua porque quer.

Dona Judith – Você tão é bobinha e inocente, querida.

Julia – (receosa) Ih! Tem um monte de gente cercando ele.

Dona Judith – Estão rindo.

Julia – Coitado!

(Dona Judith ri da inocência da filha)

Julia – E o Tiago? Onde está?

Dona Judith – (Em tom sério) Seu irmão não dormiu em casa.

(As duas se entreolham por um instante – e continuam em tom preocupado, quase fúnebre)

Julia – (Preocupada) De novo?

Dona Judith – (Preocupada) Pois é. (Mudando de assunto) Você vai se encontrar com o Diego mais tarde?

Julia – (Parecendo desinteressada) Com o Diego? Vou sim. (Voltando a preocupação) Tiago que me preocupa.

(Começa a se escutar um barulho de confusão do lado de fora. Com o mendigo falando ao longe)

Dona Judith – Olha, o mendigo  está voltando.

(Escuta-se a voz do mendigo)

Voz do mendigo (O volume da voz vai diminuindo durante a fala como se ele fosse se afastando) Eu não tenho medo! Eu não tenho medo! Eu não tenho medo!

Julia – Que maldade!

Dona Judith – Ele está indo pra praia. Acabou o show.

Julia – Mamãe!

Dona Judith – Filha, é só um mendigo. Agora vai lavar este rosto, vai. Você tá toda cheia de remela.

(Apaga-se a luz no quarto de Julia)

 

(Luz no cenário do bar, à direita do público)

 

Felix – Diego, quer dizer que a morte não te faz nem cosquinhas!

Diego – (Ri) Nem cosquinhas. Acredito em algo depois da vida.

Grego – (Chamando o Garçom e ao mesmo tempo atento ao papo) Ô Roberto Carlos…. Cerveja!

Felix – Você já disse…. disse que acredita que a morte não é definitiva.

Grego – Acredita em céu?

(Garçom trás uma cerveja)

Felix (para o Garçom) Quanto tá o jogo?

Garçom/Roberto Carlos – Começou não, patrão.

Diego – Céu? Acredito em um depois,  em uma continuidade. Me acredito eterno.

Felix – Tá. Então você não medo de morrer. Pois acha que vai viver pra sempre…

Diego – Isso.

Grego – Acho difícil de acreditar.

Diego – Mas é verdade… acredito.

Felix – (supondo) Tudo bem, é verdade, quer dizer, você acredita…. mas e se quem morrer não for você…

Diego – Como assim?

Felix – Se quem morrer for alguém que você ama. E você continuar aqui..

(Diego fica pensativo)

 

(Luz na praia  simultânea com a do bar – Mendigo em cena – É o mendigo que responde por Diego as questões de Felix e Grego)

 

Mendigo – (Sempre profético) Perder alguém que se ama é perder parte do seu próprio ser, do seu próprio futuro. Eu não tenho futuro. Eu não tenho medo. Eu sou livre! Livre!

 

(No cenário do bar)

 

Grego – O que foi Diego? Ficou sem resposta?

Felix – É este o seu medo? Perder alguém?

Diego – Não. Não é nada disto.

 

(No cenário da praia )

Mendigo – Eu sou a figura do medo. Eu sou o final que ninguém deseja. Mas, eu…  eu…. eu sou… (gritando) Eu sou…

 

(No cenário do bar)

Grego – Mas e se você perder alguém? Se perder o amor da sua vida?

Felix – Se perder Julia?

Diego – Se Julia morrer?

Felix – Ou se perder para outro? O que seria pior?

(Diego fica atônito novamente)

Grego – Julia ama Diego.

Felix – Se você diz… nunca devemos confiar plenamente nas mulheres. Mas, e se ela morrer, o que acontece contigo Diego?

Diego – (pequena pausa – com pouca segurança) Deverei seguir adiante…

 

(No cenário da praia)

 

Mendigo – Ninguém tem futuro… Ninguém tem  futuro….. Nós temos apenas o momento. E todo momento é de beber!!!!

 

(No cenário do bar)

 

Diego – Medo, medo eu tenho sobre aquilo que eu não controlo.

Felix – Então você tem medo de tudo.

Grego – Seria mais fácil ter medo da morte, que é fixa e inevitável.

Diego – Não é assim. Eu acredito que eu tenho total controle sobre a minha vida, sobre as minhas decisões. Sobre o futuro.

Grego – E qual é o seu futuro?

(Na praia o mendigo ri)

(No cenário do bar Diego responde)

Diego – Eu não sei, por isso tenho medo.

 

(No cenário da praia )

 

Mendigo – O futuro é o controle. E o controle é não ter futuro. Liberdade. Vida. Eu não tenho medo.

 

(Mendigo se esparrama no chão, se encostando ao poste e fica tomando cachaça)

 

(Luz no quarto de Julia – O Cenário do bar se apaga. O da praia continua aceso.)

(No cenário do quarto, Julia está se olhando no espelho e se penteando, se embelezando. Irá se encontrar com Diego mais tarde. Não está se produzindo demais. Apenas se arrumando)

(No cenário da praia, o Mendigo continua encostado no poste. Entra em cena um homem, é Tiago, irmão de Julia. )

(Tiago parece desorientado, drogado. Ele está fumando um cigarro e  passa ao lado do Mendigo enquanto vai na direção do orelhão.)

Tiago (rindo) Ô vagabundo, tem um cartão telefônico?

Mendigo – Só tenho cachaça! Quer ligar, ligue a cobrar.

Tiago – Dá um gole então.

Mendigo – (Dando cachaça) Eu divido o que é meu! Eu sou bom!

Tiago – (bebendo a cachaça e rindo) Deus lhe pague!

(Tiago vai até o orelhão e usa o telefone)

(Cenário do quarto – Toca o telefone – Julia atende)

Julia – Alô.

(No cenário da praia Tiago não responde)

Julia – Alô. Quem tá falando?

 

(No cenário da praia)

Tiago – (Sério) Julia, é Tiago.

(No cenário do quarto)

Julia – (aliviada, embora ainda apreensiva) Tiago! Onde você está, menino? Mamãe está preocupada.

(No cenário da praia)

Tiago – (Seco) Deixa eu falar com mamãe.

(No cenário do quarto)

Julia – (preocupada) Mas está tudo bem?

(No cenário da praia)

Tiago – (grosseiro) Chama ela.

(No cenário do quarto)

Julia – Tá bom. Tá bom. (Gritando) Mãeeeee!

(Apaga-se a luz na praia)

Julia – (Chamando a mãe com a mão no telefone para Tiago não ouvir) Mãe, vem cá!

Dona Judith – O que foi?

Julia – Telefone.  É o Tiago. Ele não está bem.

(Dona Judith olha para Julia com um olhar de preocupação. No tempo todo que Dona Judith estiver no telefone Julia estará acompanhando a conversa com atenção e preocupação)

Dona Judith – (Séria e apreensiva) Dá aqui o telefone, querida.

(Julia dá o telefone para Dona Judith)

Dona Judith – Tiago… Tiago meu filho. Onde você está?

(Pequena pausa como se Tiago estivesse falando com ela)

Dona Judith – Está tudo bem querido? Eu não estou entendendo o que você está falando.

(Pequena pausa como se Tiago estivesse falando com ela)

Dona Judith – Dinheiro!? Não vou te dar dinheiro pra isso. Não tenho.

(Pequena pausa como se Tiago estivesse falando com ela)

Dona Judith – Já disse que não tenho.

(Pequena pausa como se Tiago estivesse falando com ela)

Dona Judith – (Gritando e chorando) Não tenho.

(Julia tira o telefone de sua mãe. Dona Judith vê Julia falando ao telefone e chora durante a cena)

(Luz na praia. Tiago continua no telefone)

Julia – Tiago. Olha o que você está fazendo com a mamãe. Está matando ela.

(No cenário da praia)

Tiago – (Seco) Passa o telefone para ela.

(No cenário do quarto)

Julia – (Nervosa, mas firme) Não passo. Deixe mamãe em paz.

(No cenário da praia)

Tiago – (Grosseiro) Não se meta.

(No cenário do quarto)

Julia – (Nervosa, porém firme) Procure ajuda ou não apareça mais aqui. Não vou deixar você matar mamãe. Não vou.

(No cenário da praia)

Tiago – (Em tom mais desesperado, ao mesmo tempo drogado) Julia, eu preciso de dinheiro. Eu preciso. Porra, chama mamãe… chama…

(No cenário do quarto)

Julia – Não quero mais ver você por aqui até se tratar. Senão chamo a polícia.

(Julia vai desliga o telefone )

(No cenário da praia)

Tiago – (desesperado) Julia…. (já desligando o telefone e depois voltando a ligar)

(Apagam-se as luzes do cenário da praia)

(No quarto, Julia ao desligar o telefone abraça sua mãe. E enquanto estão abraçadas, o telefone volta a tocar até que a Julia o tira do gancho, desliga e deixa fora do gancho)

 

(FIM DO PRIMEIRO ATO)

 

 

2º  ATO

 

(Calçadão da Praia de Copacabana – Cenário de fundo de palco. Neste cenário tem um orelhão, um banco e um poste. Um mendigo está esparramado no poste, bêbado, com a cachaça na mão. No banco um casal está se beijando. É Julia e Felix. Parecem apaixonados. Julia,  no meio do beijo afasta Felix, parando o beijo, mas sem ser grossa, e sem desaprovação. Julia está apreensiva e com medo… chorosa.)

Julia – Felix, eu só quero que isso tudo passe. Que tudo fique bem.

Felix – (Carinhoso) Vai ficar. Vai ficar.

Julia – É meu irmão sabe, eu não agüento mais…

Felix – (fazendo carinho) Calma.

Julia – E minha mãe… tenho medo que… (chora) que ela….

Felix – Sua mãe vai ficar bem. Tudo vai terminar bem…

Julia – Você promete?

Felix – Prometo.

(Felix tenta beijar Julia, que novamente no meio do beijo o repulsa)

Julia – Jura?

Felix – Juro. Confia em mim.

Julia – (Com uma mistura de tristeza, paixão e ansiedade) Então eu acredito. Agora, vai embora. Daqui a pouco o Diego está aqui. E ele não pode saber da gente.

(Felix volta a beijar Julia e depois se levanta do banco sorrindo)

(Julia perde o olhar no horizonte. Tiago vai entrando em cena. Ele vê Julia e Felix juntos.)

Mendigo – (Gritando) Eu só faço o que me dá prazer. Todo mundo é assim. Toda pessoa de bem tem a sua cachaça! Eu bebo a isso! (Bebe a cachaça)

Tiago – (nervoso – fora de si) Julia!

(Julia se assusta)

(Luz se apaga no cenário da praia)

(Luz no cenário do bar)

Grego – Esta coisa que homem gosta de mulher de peitão. Acho um erro.

Felix – Um bom peitão sempre é bem-vindo.

Grego – As pessoas esquecem do valor de um peito pequeno. Daqueles que cabem na mão e apontam pro céu.

Felix – Vai dizer que não gosta de um peito que sobra na mão quando você aperta?

Diego – (rindo) Prefere o pequeno ao grande?

Grego – Eu gosto de todos. Acho que cada um deles tem seu momento e hora. E quando as horas coincidem… Meu Deus dos céus.

Diego – Você é mesmo bon vivant.

Grego – E você um farrista.

Diego – Já fui farrista.

Felix – Você não engana ninguém. Você é da farra.

Diego – Nada. Gosto da boemia. Mas sou apenas um apaixonado….

Grego – (Falando com o Garçom) Ô Roberto Carlos…. cerveja!!!!

Felix – Tem algum petisco? Trás um torresmo.

Diego – Torresmo?

Felix – E tem petisco mais boêmio?

(Diego ri)

Grego – Petisco, cerveja e rabo de saia!

Diego – (sempre puxando para o sério) Só isso não me completa.

Felix – E o que falta?

Grego – Futebol?

Felix – Dinheiro?

Grego – Se falar saúde te boto para fora do bar.

(Garçom chega com a cerveja)

Felix – Quando tá o jogo?

Garçom/Roberto Carlos – Começou não, patrão.

(Garçom sai)

Felix – É um boêmio apaixonado. Vai dizer que falta amor.

Diego – Tenha certeza disto. O que falta é amor.

Grego – Que coisa mais gay….

Felix – (rindo) Não tenho pena de você se te fizerem de corno…

Diego – Que amigos!

Grego – Que isso Felix, e você já viu em algum lugar um herói corno?

Felix – Eu não ficaria surpreso se o Super-homem chegasse em casa e a Lois Lane estivesse com o Lex Luthor na cama. Acho até que isso já aconteceu.

(Grego  ri)

Felix – Mas conta aí, Diego, tu tá fugindo. Como foi esta história de hoje de manhã?

Diego – Não foi nada demais.

Grego – Não foi? Você devia ter visto.

(Luz simultânea na praia e no bar – Conforme Grego vai narrando a cena do bar ela vai acontecendo na praia)

Grego – Chegamos na praia, Diego e eu, quando vimos Julia senda atacada.

Diego – Era o irmão dela.

Felix – (preocupado) O irmão dela?

Diego – É, o irmão.

Grego – Ela falava, e ele a segurava pelos braços.

(Apaga-se a luz no bar)

 

(Na praia – Tiago ainda está conversando Julia)

 

Tiago – Sua vadia. E Diego, não pensou nele?

Julia – Diego não tem nada com isso. É minha vida.

Tiago – Mas você sabe com quem você estava? Não faz isso…

Julia – Sei muito bem com quem eu estava.

Tiago – Ele é amigo do Diego…

Julia – Me deixa, não é da sua conta.

Tiago – Eu sou seu irmão.

Julia – Você não pensa nisso quando se droga. Não pensa nisso quando ameaça a gente. Você está matando a nossa mãe. Agora vem falar. É amigo do Diego. Com que moral?

Tiago – Cala a boca!

Julia – Não gosta de ouvir? Só quer dinheiro.

(Grego e Diego entram na cena)

Tiago – Já disse, cala a boca!

Julia – Faz o quê? Me bate? Bate… bate, então.

Tiago – Não provoca.

Julia – Eu sabia. Você não é homem pra isso.

(Tiago dá um tapa em Julia que cai no chão. Diego corre até Tiago.  Grego acompanha a briga de longe, sem reação. Tiago está de costas para Diego. Diego segura Tiago pelo ombro deixando um de frente para o outro. Diego dá um soco em Tiago que cai no chão. Tiago se levanta e puxa uma faca)

Julia – (Apreensiva) Tiago não… não faz isso… pelo amor de Deus….

Tiago – Cala boca. Safada…

Diego – Olha como você fala com ela.

Tiago – Falo como eu quiser. É minha irmã.

(Tiago e Diego estão frente a frente. Tiago com uma faca. Os dois se encaram. Diego da um chute na faca que voa longe. Depois dá outro soco em Tiago que cai no chão e depois corre embora)

(Julia, no susto, dá um abraço e um beijo em Diego)

Diego – Está tudo bem?

Julia – Acho que sim. E você se machucou?

Diego –  Eu estou bem.

Grego – Quer que a gente faça algo? Chame a polícia?

Julia – Não. Não precisa.

Diego – Tem certeza?

Julia – (olhando para Diego) Tenho. Tenho sim.

Diego – Grego, eu não vou mais para o bar com vocês. Vou ficar Julia.

Grego – Mas e o jogo?

Julia – Diego, não precisa.

Diego- Faço questão.

Julia – Não. Você não combinou de encontrar seus amigos? Não mude seu programa por causa de mim. Já disse que está tudo bem.

Diego – Então vem com a gente. Estamos indo para um boteco aqui perto para acompanhar o Fla x Flu.

Julia – Não. Eu vou pra casa, não quero deixar mamãe sozinha.  Vá com seus amigos, vá relaxar um pouco.

Diego – ( Contrariado) Tá certo. Mas qualquer coisa eu estou aqui no boteco.

(Diego e Julia trocam um estalinho)

Grego – Vamos que está quase na hora.

 

(Apaga a luz na praia)

(Luz no quarto. Dona Judith está arrumando a cama para a menina)

Dona Judith – Esta menina esqueceu novamente de arrumar a cama… que coisa.

(Escuta-se um barulho de porta abrindo, vindo de fora do quarto)

Dona Judith – Oi filha, estou aqui no quarto. (pequena pausa) Encontrou com Diego?

(Ninguém responde)

Dona Judith – Filha?

(Tiago entra no quarto)

Tiago – (seco) Sou eu mãe.

(Apaga-se a luz no quarto de Julia)

 

(Luz no bar)

Felix – Não teve medo, Diego? O cara estava com uma faca.

Diego – Não me causou medo. Apreensão isso sim , por causa de Julia.

Grego – É, mas você não foi nem um pouco inteligente. Podia ter morrido. Aí você vai falar. (fazendo pouco caso) “A morte não me diz nada”. “Eu não tenho medo de morrer”. Ridículo.

Felix – Todos temos medo da morte! Reconheça, Diego.

Diego – Eu não tenho. Não é o que me causa medo.

Felix – Isso é historinha.

Diego – Querem saber qual o meu medo?

Grego – Eu quero.

Felix – Eu também. Mas primeiro (virando-se para o Garçom), Ô Roberto Carlos acabou a cerveja.

Diego – Tenho medo do futuro.

Felix – Mas do futuro? O futuro é oportunidade! É dinheiro. São mulheres. E digo mulheres… plural!

Grego – O futuro não pode causar medo. Que mania de controlar tudo que você tem.

Diego – O problema não é só controle. Não é saber o que o futuro reserva. Pois se tem um lado positivo, que o futuro é oportunidade. Tem um lado negativo, de que ele também pode ser opressor. E vivemos em um mundo opressor.  Onde o futuro não é convidativo. Onde as pessoas não têm emprego. Onde não existe a possibilidade de ser feliz.

Grego – Que paranóia.

Diego – Será? Olha só à sua volta.

Felix – Vejo cerveja chegando. E isso me deixa feliz. (Garçom chega com a cerveja)

Grego – Quanto tá o jogo?

Garçom/Roberto Carlos – Começou não, patrão.

Diego – Tá tudo errado a nossa volta. A felicidade não é uma possibilidade. Parece que nunca foi. Porém, agora tá tudo pior. Não se fala mais em viver. Só em sobreviver. As pessoas não sabem mais que é possível ser feliz.

Grego – A felicidade está em todo lugar, você é que não tá conseguindo ver.

Diego – E onde ela está?

Grego – No trabalho!

Felix – (Ri) Péssimo exemplo.

Diego – Quantas pessoas você conhece que acordam sorrindo dizendo: hoje eu vou trabalhar. Que bom! Pessoas que fazem o querem. Sabe, com o trabalho dos sonhos ganhando o salário dos sonhos. Só se trabalha para pagar as contas.

Felix – Eu diria na boemia. A felicidade está na farra.

Diego – A boemia é o nosso consolo, é onde os infelizes se iludem.

Grego – Diego, não negue que o nosso mundo ainda permite a felicidade no amor.

Diego – E permite. É nossa saída mais fácil para conseguir algo. Um pouco que seja. Conseguir driblar este futuro que nada nos apresenta de bom.

Grego – Não entendo.

Felix – Nem eu.

Diego – No final, amigos, a gente ainda vai precisar encarar esta triste realidade. Chamar o nosso futuro para um duelo mano a mano e matar ele. Esquecer que ele existe. Porque, ele não existe.

Felix – E quando a gente fizer isso? O que acontece?

Diego – Teremos duas escolhas.

Grego – Quais?

Diego – Ou a gente vive a vida na busca pelas coisas que nos fazem feliz. Ou…

Grego – Ou…

Diego – A gente desiste…

 

(Luz no quarto de Julia, que ainda está vazio. Escuta-se um barulho de gente entrando em casa)

Julia – (ainda fora de cena) Mãe… Mãe… cheguei… você taí? (Julia entra no quarto) Mãe??? (Gritando) Mãe….

(Luz no cenário da praia)

 

(No cenário da praia)

(Julia procura pelo cenário – mendigo está tomando cachaça deitado no poste, nem se mexe)

Julia – Mãe… (percorrendo todo o cenário) mãe…. mãe…

(No bar)

(Julia chega ao cenário do bar)

Julia – (nervosa) Diego… Diego…

Diego – (Preocupado) Julia? O que houve?

Julia – Diego… (percebe a presença de Felix e fica surpresa) Felix!

Felix – Está tudo bem?

Julia – Diego, mamãe sumiu. Mamãe sumiu!

Diego – Calma, não deve ser nada. Ela deve estar na casa de alguma amiga ou algo assim.

Julia – Não, não está.

Grego – Tem certeza?

Julia – Sim, o porteiro me disse que ela saiu com o Tiago. Com o Tiago, Diego…

Diego – Calma.. ele não faria mal a ela.

Felix – É a mãe dele também.

Julia – Você viu como ele estava fora de si…

Diego – Mesmo assim, ele não faria nada.

Julia – Me ajude a procurar mamãe pelo bairro.

Grego  – O melhor a fazer é voltar para sua casa.

Julia – Mas ela não está lá.

Diego – Ele tem razão. É mais provável que a gente encontre ela na sua casa do que pelo bairro.

(Luz simultânea na praia e no bar)

(Na praia, Tiago e dona Judith estão sentados no banco conversando)

Julia – Então vamos.

(Todos saem do cenário do bar para o cenário da praia – andando   – os quatro chamam várias vezes por dona Judith até perceber que a mãe e o irmão estão sentados no banco)

Julia – (Gritando) Mãe!

Diego – (Gritando) Dona Judith!

Felix – (Gritando) Dona Judith!

Grego – (Gritando) Dona Judith!

(Julia vê dona Judith sentada no banco com Tiago e corre em direção à mãe, os outros vêm mais atrás)

Julia – Mãeeeeee.

(Dona Judiht e tiago se levantam. Julia abraça forte a mãe. Diego, Felix e Grego chegam. O Mendigo continua deitado no poste bebendo)

Julia – Mãe, está tudo bem… Fiquei com medo..

Dona Judith – Está tudo bem, filha.

Tiago – Você acha que eu faria mal à nossa mãe?

Diego – Você bateu na sua irmã…

Dona Judith – Diego… Tiago não queria bater em Julia.

Felix – Mas bateu. E podia ter feito algo com a senhora.

Dona Judith – (botando o dedo na cara de Felix) Você não fale comigo.

Julia – (Preocupada) Mamãe… isso são modos?

Dona Judith – Julia, minha filha, o que você está fazendo?

Diego – (perdido no assunto) Ela estava preocupada com a senhora.

Dona Judith – (ignorando Diego) Tiago me contou, me contou o que viu.

Julia – (desesperada) Contou?? Você contou?

Felix – Tiago não contou nada. Contou, Tiago?

Tiago – Eu só quero o seu bem, maninha.

Diego – O que está acontecendo?

Dona Judith – Diego, calma.

Diego – Calma por quê?

Julia – Não é nada disto.

Felix – É tudo mentira,  Diego.

Grego – Gente, vamos pro bar ver o jogo?

Dona Judith – (Ignorando Grego) Tiago viu Julia e Felix juntos.

Diego – O quê?

Julia – Calma, querido.

Felix – É mentira!

Tiago – Não, não é. Mas ela fez isso por mim. Devo dinheiro a Felix. Ele me vende drogas. Ele ia me matar

Diego – Julia ?

Dona Judith – (a Felix) Você destruiu minha família.

Julia – Diego, era a única maneira de salvar meu irmão. (chorando) Era a única maneira….

(Diego virando-se para Felix, o pega pela colarinho)

Diego – Felix, seu filho da puta.

Felix – Calma, Diego, vamos conversar.

Grego – (tentando acalmar) Somos todos amigos.

Diego – Eu não tenho amigo mau-caráter.

(Diego dá um soco em Felix que cai no chão. Ao levantar, Felix puxa uma arma)

(Todos atônitos – Julia chora)

Felix – (mostrando a arma) Me bateu desgraçado. Sua vida não vale mais nada.

Dona Judith – (Desesperada) É assassino também! Traficante e assassino!

Tiago – (Nervoso) Cala a boca, mãe.

Grego – (mais uma vez tentando acalmar) Felix, é Diego, seu amigo.

Felix – Não se mete, Grego. Me bateu, tá morto. A gente só faz o que é necessário para ter o futuro que a gente deseja. E nossas decisões dependem apenas da nossa índole pessoal. Não é isso, Diego? Vai morrer então. É minha decisão!

(Felix vai atirar em Diego – Na hora do tiro Julia entra na frente de  Diego. O tiro pega em Julia que cai.)

Diego – (Gritando desesperado) Julia!!!!!

Felix – (desesperado) Não!!!!!!

Dona Judith – Minha filha!

(Rapidamente Tiago tira uma faca da cintura e esfaqueia Felix que cai no chão e continua sendo esfaqueado até a morte. Dona Judith e Diego ajoelham ao lado do corpo imóvel de Julia chorando e a abraçando)

Tiago – Morre desgraçado… morre…(chorando) morre… morre… morre…

(Diego e  Dona Judith falam simultaneamente Grego fica mais ao fundo da cena só olhando assustado)

Diego – (repetindo obsessivamente) Eu te amo… te amo menina… te amo… te amo… Não morra por mim… não morra…

Dona Judith – (repetindo obsessivamente)Filha, é mamãe… fala com mamãe… fala… vai ficar tudo bem… tudo bem… filha…

(Mendigo que ainda está esparramado no poste)

Mendigo – Perder alguém é perder parte do próprio futuro. Nos fecham uma porta. Às vezes é até o fim de uma história.

(escuta-se o barulho e vê-se luz da sirene de polícia)

Dona Judith – (chorando) Foge, filho… foge…. não deixa que a polícia te pegue… foge….

Diego – (levantando – muito abalado) Julia morreu…. E agora? E agora?

Grego – (Tentando animar) Diego, você sempre disse que existe um algo mais, uma continuidade.

Diego – Um algo a mais pra ela, que se foi… E pra mim que fico? O que acontece? O que eu faço???

(Mendigo ri loucamente)

Diego – O vai ser da minha vida? Do meu futuro? O que eu faço?

Grego – Você vai seguir adiante. Vai viver!

Diego – (nem escutando Grego) Não sei o que eu faço….

Mendigo – Bebe, Bebe…. Seja livre da pior forma…. desistindo… (mendigo oferece a cachaça a Diego)

(Diego vai até o mendigo pega a garrafa de cachaça e começa a beber.)

(Mendigo ri loucamente)

(Fim do segundo e último ato)

 

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* Denys Presman  é apenas jornalista e brasileiro.

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  1. Bruna Cruz disse:

    Quantas reflexões sobre como viver, heim, Denys?! Parabéns pelo excelente texto. Ri, chorei e aprendi muito com ele. 🙂 Obrigada!