Sade, o marquês

By Denys Presman

 

peça em três atos por Denys Presman (Rio, 1996)

Inspirado no livro de Guy Endore “Sade – O santo diabólico”

Personagens

Marquês de Sade

Padre

Rodolf Clotê

Moça 1

Moça 2

Homem 1

Homem 2

Camponesa

Madame Montreuil

Rennée

Anne

Monsieur Niollis

Policial

Médico

 

 

 

Primeiro ato

(Tudo escuro, de repente um adolescente começa a gritar. É o pequeno Marquês de Sade. Ele não aparece na cena, apenas sua voz é ouvida)

Sade – Dez segundos para me matar, tá ouvindo, dou-lhe exatamente dez segundos para me matar!  (Aparece um padre na cena. Este tenta entender os gritos, tenta identificar quem é o autor dos gritos) Um, dois (Gemendo), três, quatro (Extremamente ofegante), cinco, seis, (Não consegue nem falar direito) sete, oito, nove, dez.  Ah!!!

Padre – Quem será que está berrando assim?  Será que é algum caso de vida ou morte?  Acho que ouvi a palavra matar!  Será que está ocorrendo um crime? Dois garotos se matando? Isto seria péssimo para a reputação de nossa escola.

Sade – (Eufórico) Não matou, não matou. Então tudo era mentira?  Vou te dar outra chance, hein?  Dez segundos para me matar. Não se acha o todo-poderoso? Então me mate.

Padre – (Fala simultaneamente à contagem do garoto) Todo-Poderoso é Deus.  Um crime em nome de Deus. Isto não é bom.  Isto não é bom!

Sade – Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez.  Hummm!!!!

Padre – Hummm??? O que este menino está fazendo não é crime coisíssima nenhuma.  É pecado mas  não é crime.  O prazer solitário é pecado.

Sade – Deus não existe, se existisse me punia. Deus eu estou vivo. O padre me disse que masturbação era pecado. Que Deus pune os pecadores. E eu ainda estou vivo! Desafiei Deus  e ainda estou vivo.

Padre – Garoto petulante, quando eu descobrir quem é….

Sade – Para tirar qualquer dúvida sobre a sua existência, Deus, lhe darei outra chance. Sua última chance.  Mais dez segundos para me matar.

Padre – Mais uma vez? Haja hormônio, hein!

Sade – (O padre fica em silêncio, apenas ouvindo) Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove e dez.  Ah!!! (Com estranha surpresa) Eu ainda estou vivo? Vivo?  Eu, Donatien-Alphonse-François de Sade, venci Deus.  Nada agora é demais para mim, nada mais vai ser obstáculo na minha vida.  Nada.

Padre – Nada, seu moleque ?

Sade –  (Com medo) Quem está aí?

Padre – A mão divina.

(O padre sai de cena.  As luzes se acendem.  O Marquês de Sade está descansando ao lado de duas belas moças.   É um bordel em Paris, As moças beijam seu corpo seminu, apenas coberto por uma camisola.  As moças às vezes riem de prazer.  Nisso, bate à porta Rodolf Clotê, um conhecido do Marquês de Sade)

Rodolf Clotê – Donatien, Donatien.  Precisamos falar, tenho uma mensagem urgente para você.

Sade – E quem é que bate à minha porta?

Rodolf – Sou eu, seu amigo Rodolf Clotê.

(As garotas vibram e cochicham entre si)

Sade – Pois entre meu amigo.

Rodolf – Sua presença é requisitada em La Coste, você tem que voltar ao seu castelo. Sua esposa e sua cunhada estão que não se falam. Madame Montreuil me mandou aqui, disse para eu levá-lo de volta a todo custo. Ela tem medo de uma tragédia na família.

Sade – Eu aqui me divertindo e você vem me falar de família.  Não tem assunto melhor, não?  Já sei! Por que não se junta a nós?  Sabe, essas moças esperam muito de mim.  Acho que elas ficariam mais satisfeitas se eu fosse dois, entende?  Dois.

(As mocinhas começam a rir, um riso maroto)

Rodolf – Como?

Sade – Por que você não se junta a nós e esquece a minha sogra?

Rodolf – Mas eu só vim aqui levá-lo embora de Paris, de volta a La Coste.

Sade – Pois eu não vou.  Não saio mais de Paris.  Minha sogra tirou tudo de mim, não vai me tirar Paris.  Paris não!  Quer saber?  Eu, para minha sogra, não passo de um negócio que não deu certo.  Ela casou sua filha comigo por causa do meu sobrenome, imaginava ganhar com isso todo o respeito que uma família tradicional na França merece.  Fui criado na mais pura nobreza.

Rodolf – Eu sei, sua mãe era uma espécie de aia da rainha.

Sade – É, e eu brincava com o príncipe.  Ele era mais velho, achava que podia tudo. (Ri) Estava enganado.  (Pequena pausa, o Marquês se vira para as garotas) Garotas, tragam um vinho para mim e para o senhor Clotê.

Rodolf – Não se preocupem, eu não quero.

Sade – Faço questão.

Rodolf – Então pode servir.

(As garotas saem)

Sade – Como eu ia dizendo, minha sogra queria isso, a tradição da minha família, ser respeitada pelo Rei.  Não conseguiu e me culpa.  Inúmeras vezes armou contra mim.  Esse castelo, que há pouco o senhor citou, não é mais meu. Ela conseguiu não sei com quem, seu marido é um homem influente, presidente de um tribunal, que cassassem meus bens e deixassem ela como tutora. O castelo em La Coste não é mais meu! É dela.  Paris é agora minha cidade, os bordéis são o meu lar.  Eu quero apenas que me esqueçam e me deixem viver como eu gosto. Basta apenas isso, que me ignorem.

Rodolf – Mas e sua esposa?

Sade – Ela não me ama. (Triste)Ela não me ama.

Rodolf – A marquesa é uma pessoa tão doce, sempre vi vocês como um casal tão próximo.  Não posso acreditar no que me diz.

Sade – Pois é verdade. Ela não me ama.  E digo mais, é fria.

Rodolf – Fria?

Sade – É você sabe, não sente prazer. Não sente nada. Ela nem deixa eu fazer certas coisas que poderiam curar sua frigidez.

Rodolf – Certas coisas?  (Com repugnância) Que coisas?

Sade – O senhor também?!  Todos acham que eu sou um monstro.  Não, eu não sou um monstro.

Rodolf – Eu não disse isso.

Sade – Não disse mas se deixou influenciar pela minha fama, pelo que os que não me conhecem dizem, não é?

Rodolf – De maneira nenhuma!

Sade – Eu não sou um pervertido.  Não faço nada que outras pessoas, grandes cidadãos franceses, não façam. Não sei como começou esta fama, apenas  gosto de me divertir.  Eu gosto de viver tendo prazer.  Posso ser casado, mas não dispenso um bom bordel. E olha que sou do argumento de que o que se faz com uma puta se faz com uma esposa.  As esposas também tem o direito de se divertir.

Rodolf – Donatien, você está me deixando constrangido.

Sade – Por quê? Por causa de algumas verdades?

Rodolf – Isso é maneira de falar de sua esposa!

Sade – Minha esposa não sente prazer, vou mentir a respeito disso?

Rodolf – Não precisa mentir, mas também não é coisa que se fale.

Sade – Ah meu caro Rodolf, minha esposa é uma tristeza. Eu falo dela para esquecer, para apagar uma grande frustração.  Rennée não é bonita. Não se esforça para ser sexy.  Na cama é um gelo.  Eu sempre fui muito exigente  em termos de sexo.  Ela não  deixa eu me divertir e ao mesmo tempo não me dá a menor chance de satisfazê-la.  É só dar um tapinha mais forte que ela já reclama.

Rodolf – Pare, eu não quero saber das suas intimidades.

Sade – Como não, se pouco me chamou de pervertido,  e quis saber meus segredos sexuais?

Rodolf – Eu não lhe chamei de pervertido.  Nem estou interessado, isso eu garanto, em sua vida sexual.

(Entram as duas moças com o vinho.  Sade dá um tapa em uma delas, que derruba a bandeja.  Rodolf fica impressionado mas gosta da  cena)

Moça1 – Me dá outro!

Moça2 – Isso não é justo, eu também quero!

Sade – (Agressivo) Tragam mais vinho, agora, e dessa vez não demorem tanto.

Moça1 – Eu adoro quando ele fica assim.

Rodolf –  (Fascinado) Você trata sua esposa como trata essas moças?

Sade – Pois é. E ela ainda é fria comigo.

Rodolf – E como não seria?  Você a agride, deve fazer com ela o que não se faz nem com um animal.

Sade – Olha, você de novo se levando pela minha fama.

Rodolf – Não é pela sua fama, você acabou de me dizer que usa de violência com a sua mulher. Mais até, você usou de violência com essas duas pobres mocinhas.

Sade – É. Viu como elas reagiram?

Rodolf – Estranhamente.

Sade – Não, pelo contrário, usaram da mais crua e pura lógica.

Rodolf – Uma lógica distorcida.

Sade – Distorcida, será?  Meu caro Rodolf, você tem muito que aprender. O prazer e a dor estão totalmente ligados.  As pessoas não choram quando estão tristes e também não choram quando estão felizes?  A dor é uma espécie de catalisador de prazer. Ela aumenta a sensação de bem-estar absurdamente.  Concorda comigo que a maior alegria de uma mulher é cercada de dor?

Rodolf – De maneira nenhuma.

Sade – Pois eu digo que é.

Rodolf – Se você diz, prove?

Sade – Para uma mulher nada é mais importante de que os filhos.  Ela não tem vida, o que vale são os filhos.  Você já viu uma mulher dando à luz?

Rodolf – Sim, já vi.

Sade – E o que achou?

Rodolf – A mulher se contorcia em dores.

Sade – Correto.  E isto não é maravilhoso?

Rodolf – Uma mulher se contorcendo em dores?  Não, não acho nada maravilhoso.

Sade – Pense bem, a mulher está sofrendo e em seguida terá a maior felicidade de sua vida.  Terá um filho.  A dor e o prazer estão juntos.  A dor do parto aumenta a felicidade de saber que correu tudo bem e que o filho nasceu.

Rodolf – De certa forma você tem razão.

Sade – Com sexo é a mesma coisa. A primeira vez de uma mulher é extremamente dolorosa e ao mesmo tempo inesquecível. A sensação de dor aumenta o prazer do sexo, faz a gente dar mais valor ao momento.

Rodolf – Entendo mas não concordo.

Sade – Rodolf, você já tentou suicídio?

Rodolf – Claro que não.

Sade – Perdoe-me, quando disse suicídio, quis dizer se sua vida já esteve em perigo.

Rodolf – Não.  Nunca estive perto da morte.

Sade – Pois imagine a cena. Uma pessoa tem seu pescoço preso a uma corda que a enforca. No último  segundo, e quando digo último, é porque é o momento limite, a linha que separa a vida da morte.  Então, nesse limite, a corda rompe e a pessoa escapa continuando viva. Não concorda que este indivíduo ficará eufórico?

Rodolf – Concordo.

Sade – E o que causou este prazer, pergunto eu? Você dirá que é o fato da pessoa ter escapado com vida.

Rodolf – Claro e não foi?

Sade – Na verdade o prazer foi causado pela dor.  Foi a dor que proporcionou a euforia.

Rodolf – Como você pode afirmar isso?

Sade – Recorramos a outra cena. Uma pessoa está prestes a morrer, um assassino está atrás dela com uma faca, na última hora, no último minuto, o assassino desiste, melhor, cai um jarro na cabeça do assassino.  E a pessoa segue seu percurso sem nem notar a presença do perigo.  Esta pessoa escapou da morte, não foi?

Rodolf – Foi.

Sade – Mas não ficou eufórica.

Rodolf – Não.

Sade – (Vitorioso) Ela devia ficar feliz com isso, mas não ficou.  Chegamos, então, a uma conclusão,  não chegamos?

Rodolf – (Derrotado) Chegamos.

Sade – E qual é essa conclusão?

Rodolf – Que a dor também é fonte de prazer.

Sade – Exato.  (Entram as moças com o vinho, durante a cena ora Sade bebe um pouco, ora Rodolf bebe) Lá vêm as meninas com o vinho.

Rodolf – (Pegando seu copo) Mas voltando ao assunto que me trouxe aqui. Peço a você, Donatien, que volte a La Coste.

Sade – Meu caro amigo, me diga qual seu interesse nisso?

Rodolf – A Madame Montreuil…

(As moças não ficam paradas, elas fazem brincadeiras sexuais durante a cena, se beijam, e beijam o Marquês, fazem carícias)

Sade – Ah! Entendi, minha sogra, La President, sabe ela ganhou esse apelido por tirar vantagem da influência do marido.  É ela que faz tudo, quem toma as decisões.  Ela te prometeu o que? Um cargo no tribunal, ou só dinheiro?

Rodolf – É que eu preciso pagar umas dívidas…

Sade – Dívidas!  Entendo. E quer que eu volte para que a minha sogra lhe dê dinheiro para saldar suas dívidas.

Rodolf – Eu peguei dinheiro emprestado com pessoas que não devia, agora ou pago ou me matam.

Sade – Tá bem, eu vou voltar.  Não por você, não mandei se endividar.   Não pela minha sogra, por ela não faria nada.  Não por minha esposa que é fria.  Mas por Anne!  A mulher que amo!

Rodolf – Sua cunhada!  Mas Marquês, logo a cunhada?

Sade – É… Anne… Mas me diga, quais são as notícias de La Coste?

Rodolf – Como já disse, sua esposa e sua cunhada brigam muito.  Acho que você é o motivo.

Sade – Mulheres brigando por mim, isso faz bem pro ego.  Ótimo, e o que mais?

Rodolf – Sua sogra disse que se eu não o levasse de volta ela conseguiria, não sei com quem, que você fosse expulso de Paris.

Sade – Expulso de Paris, não posso! Paris é o lugar onde me sinto mais a vontade, os bordéis, minha petite mansion,  lugares onde sou feliz.

Rodolf – Você tem que voltar!

Sade – (Virando para as garotas) O que vocês acham queridas?

Moça1 – Fica com a gente, não vai embora.

Moça2 – A sua sogra que se dane.

Sade – Bem que eu queria ficar, mas ela pode me proibir de voltar a Paris.

Rodolf – Pode mesmo.

Sade – Eu sei.

Moça1 – Se ela te proibir de vir a Paris, nós vamos atrás de você em La Coste.

Moça2 – Vou até o inferno se for preciso.

Rodolf – Puxa! Como era mesmo a sua teoria sobre dor e prazer, hein?

(Sade ri)

Sade – Não se espante, elas falam isso por serem jovens. É só fogo de palha.

Moça1 – Fogo de palha nada, por você eu não sei do que sou capaz.

Moça2 – É, nós não somos mais crianças não.

Sade – (Malicioso) Eu sei disso.  Eu sei bem disso.  Mas se fossem crianças eu também não me importaria, não tenho esse tipo de preconceito.

Rodolf  – Então, Sade, você volta comigo ?

Sade – Volto.  Volto para La Coste.  Vou enfrentar minha sogra.  E me unir definitivamente com Anne.

Rodolf – Você a ama de verdade ?

Sade – Amo.

Rodolf – Pois vejam só, o monstro, o animal, o pervertido.

Moça2 – Ele não é magnífico?

Moça1 – Eu adoro a fama dele!

Rodolf – O famoso Marquês de Sade tem coração.

Sade – Tenho coração e sinto amor, muito amor.  Amei Anne no primeiro olhar, estava tudo arranjado para eu casar com Rennée. Por um desses acasos do destino conheci a irmã de minha noiva…  amei a irmã de minha noiva.  Tentei convencer Madame Montreuil a me deixar casar com  Anne em vez de Rennée.  Ela não quis.

Rodolf – Não sabia desses detalhes.

Sade – É, amei a minha cunhada na primeira desfeita que ela me fez.  De início,  ela me odiava.  O amor tem que um pouco de ódio. Ser violento. Se não para durar, pelo menos para dar prazer. Me apaixonei quando ela foi agressiva comigo. E ela se apaixonou pela minha fama e pela minha personalidade.  Aos poucos se entregou e virou minha esposa de fato.  Teve o papel que deveria ser de sua irmã.

Rodolf – E Madame Montreuil descobriu?

Sade – Desconfia.  Acho que ela faz vista grossa. Não suportaria saber que as duas filhas são amantes do mesmo homem e que eu sou este homem.  Madame Montreuil me odeia. Vive me perseguindo, já tirou tudo que eu tenho. Agora quer me tirar Paris. Qual será o próximo passo?  Quem sabe a minha liberdade?  Parece até que é castigo.

Rodolf – E será  que não é de repente um castigo de Deus?  A mão divina?

Moça1 – Eu acredito em Deus…

Sade – (Ri) Deus??  O que é Deus ?  Uma força superior, uma força da natureza.  O senhor maior.  Eu não tenho medo de Deus. Eu não vivo para Deus.

Rodolf – Não se preocupa com sua morte, com o depois, com a questão da imortalidade da alma?

Sade – (Fala com desdém) Eu!!! (Hesita) Eu, eu não me preocupo com estas coisas.  Posso a qualquer momento enfrentar Deus e ele não me punirá.

Rodolf – Mas Deus age de maneira misteriosa.

Moça1 – (Delirando) Eu acredito em Deus.  Eu acredito na maneira misteriosa como ele age.

Sade – (Ignora a moça1) Se a maneira dele é misteriosa, como posso saber qual é, e se não sei qual é como posso dizer que ele existe.  Sou da seguinte opinião, se Deus existe não interfere na vida dos homens.

Rodolf – Ah é ! E Madame Montreuil? Acho que ela é um exemplo da maneira misteriosa com que Deus age.

Sade – (Sério como quem acaba de receber uma revelação) Não pode ser.  (Mudando de tom, rindo) De jeito nenhum.

Rodolf – Na minha opinião Madame Montreuil é  uma interferência divina.

Moça1 – Eu já sofri com a interferência divina.

Sade – (Rindo) Eu não mereceria tanto.  Minha sogra é castigo suficiente para uma eternidade toda.

Moça1 – Eu era casada com Cristo.

Sade – (Se vira para moça1) O que é que você está falando?

Moça2 – Não liga não, ela às vezes se perturba com esse tipo de discussão religiosa.

Moça1 – Eu era casada com Cristo, o que podia esperar da minha vida?

Rodolf – Podia esperar a eternidade, uma alma imortal.

Sade – A felicidade não está na imortalidade.

Rodolf – Não? Então o que viemos fazer neste mundo?

Moça2 – Ser feliz.

Moça1 – Eu queria ser feliz.

Rodolf – Ser feliz sem princípios básicos?

Sade – Os únicos princípios básicos que se deve seguir são os individuais.

Rodolf – Você nega tudo. Nega a religião, nega os sentimentos patrióticos, nega tudo!

Sade – Não nego, apenas acho que antes da religião, antes da pátria, vem o indivíduo.  Uma pessoa não pode viver para religião, não pode se censurar pela religião. Uma pessoa não pode viver e, em hipótese alguma, morrer pela pátria.  A pátria e a religião é que deveriam agir em prol das pessoas.

Moça1 – Eu não queria Cristo, um marido virtual, que eu não  posso tocar.  Um marido que não me toca, que não me traz presentes, nem me diz boa noite antes de dormir.  Eu não queria Cristo.

Rodolf – Mas Cristo é perfeito. Ele veio ao mundo salvar a todos nós.  Você devia ficar feliz por ter uma vida longe do pecado.  Em vez disso olhe o que se tornou?

Moça2 – Se você acha isso por que não se tornou padre?

Sade – (Com indisfarçavel felicidade)  Diga, meu caro Rodolf, por que não se tornou padre?

Rodolf – Eu quando jovem pensei seriamente em ser padre.  Me recolher num mosteiro e esquecer do mundo.

Sade – E o que o fez desistir?

Rodolf – Minha família me arranjou um casamento.

Sade – Outra vítima.

Moça2 – Senhor Clotê, fala a verdade, o senhor queria realmente ser padre?

Sade – Queria?

Rodolf – Queria.

Moça1 – E por que não tirou os olhos de mim desde que chegou aqui?

Rodolf – Uma vez no pecado…

Sade – Pecado, o que pode ser pecado num mundo onde se vive guerras, onde se adora as guerras, um general é um herói!  E neste mesmo mundo se pune o amor, se pune o sexo, uma prostituta é uma criminosa.  Quem mata é herói, quem traz felicidade é vilão?  Não acha que tem algo errado neste mundo?

Rodolf – Mas as prostitutas vendem o corpo.

Sade – E qual é o problema?

Moça2 – Eu não vejo problema  nenhum.

Rodolf – Pois eu vejo.  Vendendo o corpo, se corrompe o amor.

Sade – Meu amigo, meu amigo.  Não há nada errado em se vender o corpo, e em se pagar pra ter prazer.

Rodolf – Como não?  O amor não é uma mercadoria.

Sade – Sexo é uma necessidade fisiológica, como comer, beber, ir ao banheiro.  Se podemos comprar comida para satisfazer nossa fome, comprar bebida para matar a nossa sede, por que não podemos pagar por sexo para suprir a nossa falta de amor?

Moça1 – Ele fala coisas tão bonitas.

Rodolf – Eu não acho certo.  Isso é uma questão de princípios.

Sade – Correto, é uma questão de princípios.   E princípios são valores individuais.  Não é certo que um grupo queira que cada elemento aja da mesma maneira, que acredite num Deus, no mesmo Deus, que coma as mesmas coisas,  que ninguém trepe, e em caso de trepar, que se trepe igual, da maneira convencional.

Rodolf – Cuidado com suas idéias, você ainda vai acabar sendo morto por causa delas.

Moça2 – Ou vai virar um mito.

Moça1 – Ele já é um mito.

Sade – Essas meninas! Como posso querer voltar a La Coste?

Rodolf –  (Interessado) Lembre-se da mulher que você ama.

Sade – Suas palavras estão cheias de interesse.  Mas você tem razão, não posso me esquecer de Anne, ainda temos muito que viver juntos.  Por Anne, meu amigo, o meu inferno vira céu.  (Olhando para o horizonte) La Coste, o Marquês de Sade está voltando!

(Apagam-se as luzes do cenário de fundo)

(Acendem-se as luzes em dois homens, membros da nobreza francesa, que enquanto andam conversam)

Homem1 – Soube da última, o Príncipe de Soubise está montando um apartamento onde todos os empregados serão moças e seus uniformes serão a pele nua.

Homem1 – Ainda bem que sou amigo do príncipe, vem coisa boa por aí.

Homem2 – É, com certeza!

Homem1 – Pena que o nosso caro Jacques  Brebi não poderá ir.

Homem2 – Por que não?

Homem1 – Ele foi preso por acordar os vizinhos cantando canções imorais.  Não sabe beber, é isso que dá.

Homem2 – (Decepcionado) Logo ele que é teólogo.

Homem1 – É, tem gente arrumando muito problema aqui em Paris.

Homem2 – Mas nem tudo é tristeza, temos entre nós um gênio, um verdadeiro gênio.

Homem1 – Quem ?

Homem2 – O Duque de Fronsac, autor da invenção do século.  Adivinha o que ele criou!

Homem1 – Um superafrodisíaco?

Homem2 – Não.  Te dou outra chance.

Homem1 – Um aparelho que aumenta o prazer no sexo?

Homem2 – Não. Ele inventou uma cadeira.

Homem1 – Uma cadeira, acho que já inventaram isso.

Homem2 – Já inventaram vários tipos de cadeira, mas nenhuma como esta.  A cadeira do Duque de Fronsac tem dispositivos especiais.  Uma vez que alguma mulher senta nela, a cadeira  imobiliza a presa, de maneira que ela fica indefesa à ação de qualquer homem.

Homem1 – Onde que se compra uma dessas?

(Vem chegando uma moça, uma camponesa, jovem e de aparência humilde)

Homem2 – É só falar com o Duque.

Homem1 – Acha que ele me vende?

(A mulher se aproxima dos dois)

Homem2 – Acho que sim.  Tá vendo a gracinha que tá vindo aí? Não é bonitinha?

Homem1 – Pra ocasião serve.

(O homem1 pega com violência no braço da camponesa)

Homem1 – Vem cá, lindinha.  Vem cá.

Camponesa – Eu não sou dessas, me larga.

Homem1 – Mas não quer ganhar algum dinheiro?

Camponesa – Já disse que não sou dessas.  Agora deixem-me ir.

Homem2 – Que pressa é essa, a gente nem conversou direito.

Homem1 – E a conversa é apenas o começo.

Camponesa – Me solta senão eu grito.

Homem2 – Grita, que fica muito mais excitante.

Homem1 – Pode gritar, ninguém vai te ouvir.

Camponesa – Você acha isso, acha que eu andaria sozinha pelas ruas de Paris?  Meus irmãos estão vindo aí, só se demoraram um pouco mais numa taberna. Já estão chegando.  Se eu gritar eles aparecem.

Homem1 – Um pouco mais numa taberna, hum! Isso pode levar uma eternidade.  Gritar não vai adiantar nada.

(A camponesa tenta se desprender  e o homem1 dá um tapa que a joga longe)

Camponesa –  (Simultaneamente ao tapa) Me solta!

(A camponesa sai correndo)

Homem1 – Volta aqui sua puta!  Volta aqui!

Camponesa –  (Ao sair de cena, gritando) Seus monstros!

Homem2 – (Tenta alcançar a camponesa mas desiste) (Meio ofegante) Ah! O Duque de Fronsac vai ter que me arranjar aquela cadeira.

Homem1 – Como é que pode, uma mulher fugir de mim, não sou nenhum monstro, sou?

Homem2 – Que vadia hein, e pensar que eu até pagaria para tê-la.

Homem1 – (Pensativo) Eu não faço nada de mais, faço?  Eu não sou um animal como o Marquês de Sade, sou?

Homem2 – Fica tranqüilo, como Sade não existe.  Ele é extremamente perverso.  Soube da última que ele aprontou?

Homem1 – Parece que envenenou uma mocinha, não foi?

Homem2 – Não, comparado ao que fez, envenenar seria uma bênção.   Ele pôs fogo no corpo de uma garota, uma criança dos mais puros doze anos, ainda virgem.

Homem1 – Uma criança.  Apenas doze anos, é?

Homem2 – É, se ainda tivesse treze ou quatorze. Mas tinha apenas doze.

Homem1 – Que canalha!

Homem2 – Só que não ficou nisso não.

Homem1 – Que mais que Sade fez?

Homem2 – Depois de botar fogo na menina, esperou a garotinha ficar apenas em carne viva, e quando isso ocorreu praticou sexo com a pobre infeliz.

Homen1 – Esse homem precisa ser detido.  Ele merece a morte.

Homem2 – Merece a morte.  Veja o que ele fez com  uma criança indefesa.  Os gritos da pequena garota foram ouvidos até na Inglaterra.

Homem1 – (Incrivelmente crédulo) Na Inglaterra!!!

Homem2 – Pois veja que um inglês amigo meu me mandou uma carta falando de um grito feminino ensurdecedor que vinha da França e impregnou as ruas mais que o fog londrino.

Homem1 – É mesmo?  E a mocinha?

Homem2 – Isso é o mais incrível. A mocinha está viva e não tem uma marca no corpo.

Homem1 – Foi queimada viva e não tem marca no corpo? E como a medicina explica isso?  Só falta dizer que mesmo tendo sido atacada pelo Marquês de Sade tenha continuado virgem.

Homem2 – Como adivinhou?  A mocinha continuou virgem.

Homem1 – Pra mim isso é bruxaria.

Homem2 – Esse Marquês deve ter pacto com o demônio.

Homem1 – Comparado com o  Marquês de Sade, tanto eu quanto você somos de uma virtude indiscutível.

Homem2 – Com certeza, com certeza.

(Fecham-se as cortinas)

Fim do primeiro ato.

 

 

SEGUNDO ATO

(La Coste.  O Marquês de Sade está para chegar no Castelo. Na cena, estão Madame Montreuil e sua filha Rennée Plagie. Madame Montreuil tem cerca de  55 anos, Rennée  tem cerca de 28 anos.  É uma sala do castelo.  Nela existem móveis, sofás, cadeiras, e um piano ao fundo)

Madame Montreuil – Que coisa, vocês duas! Não entendo o que vêem neste homem nojento.

Rennée – Mãe, ele é meu marido.

Madame – E daí, continua sendo nojento.

Rennée – Você escolheu ele para mim, não devia falar assim dele.

Madame – Escolhi, errei.  Uma mãe tem que zelar pelo futuro de sua filha, não tem?   Me culpe, afinal falhei.

Rennée – Eu te culparia se não fosse minha mãe.  Mas o sangue que nos une me impede.  Eu culpo ela que tirou o meu marido.

Madame – Me perdoa por ser tua mãe e não a perdoa mesmo sendo ela sua irmã, sangue de seu sangue?

Rennée – Por ser minha irmã, Anne não podia se entregar ao meu marido.  Donatien tem outras. Eu sei. Não sou burra. Mas com elas não me importo, pode fazer o que quiser.  Agora, com Anne não.  Ela é minha irmã.  Minha irmã!

Madame – Seu marido, esse maldito Marquês, foi um péssimo negócio para nossa família.  Compreenda sua irmã, ela é tão linda e nunca pôde se casar por causa da fama de Sade.  Tão jovem, e não terá a chance de formar uma família.

Rennée – Isso não é motivo para se entregar ao meu marido.   Não posso entender, não posso perdoar.  Ele faz dela a mulher de fato.

Madame – Você é a mulher de fato.  Ele sabe disso, você é a mãe dos filhos dele, os únicos que ele irá reconhecer. Você levará consigo a fama de Sade. Para a sua e para a minha tristeza, nossa família ficará para sempre marcada. O nome desse Marquês nos levará para o lixo.

Rennée – Acho que a  senhora exagera.

Madame – Minha filha, você é muito inocente.  Esse homem é um monstro.

Rennée – É um monstro mas é meu marido.  Foi isso que a senhora  escolheu para mim.  Ele é tudo que eu tenho.

Madame – Falou que não ia me culpar.

Rennée – Desculpa.  Não vou te culpar, a culpa é dela. A culpa é de Anne.  Às vezes penso até no pior.

Madame – (Com terror) No que você pensa?

Rennée – Penso que ele pode vir a fugir com ela.

Madame – Jamais, eu não permitiria.  Imagine se ficam sabendo na corte que o Marquês de Sade fugiu com a cunhada.  Ia ser um escândalo! Com que cara voltaríamos a Paris?

Rennée – Mãe, a senhora promete que não vai deixar ele fugir com Anne, promete?

Madame – Prometo, filha.  Fique tranqüila.  Antes de fugir com sua irmã ele vai preso.  Fugir com Anne, ora veja, esse tipo de imoralidade eu não permito!

Rennée – Eu não quero que meu marido vá preso.  Do jeito que ele é ativo, iria enlouquecer.

Madame – Ele já é louco.

Rennée – Ele pode até ser louco, não me importo, mas é meu.  Só meu e não de minha irmã.  Penso às vezes em matar Anne…

Madame – Matar Anne não resolveria nada.  Só traria desgraça para sua alma.  Só desgraça.

Rennée – Será que não?  Será que matando Anne ele não me respeitaria mais?

Madame – Respeitar mais? É, é bem capaz… ele é pervertido o bastante para admirar uma pessoa por matar a própria irmã.  Graças a Deus você não é disso, filha.

Rennée – Tem certeza?

Madame – Filha, você não é disso!

Rennée – Ele é meu marido.  Os países não defendem o que é seu eliminando a ameaça?  Se fosse necessário, a própria França, com seu exército, não mataria quem se atrevesse a invadir suas terras, quem tentasse tirar o que é por direito seu?  Por que não posso matar quem quer tirar o que é meu?

Madame – Minha filha pare, eu não quero ouvir mais.

Rennée – Não quer ouvir, mas vai ouvir. Ele é meu marido e eu mataria por ele.  (Chorando) Mataria, mataria e mataria.

Madame – O que está acontecendo conosco?  É culpa dele.  É culpa do Marquês de Sade.  Esse homem tem que ser tirado de circulação.

Rennée – Pra onde ele for eu vou junto.

Madame – Não, não vai.

Rennée – Já disse que vou.  Ele é meu marido e eu tenho que acompanhá-lo em todas as situações.  Seja na alegria ou na tristeza.

Madame – Eu vou dar um jeito nisso.  Vou me livrar de Sade e te manter debaixo de minha saia.

Rennée – Vai mandar matá-lo?

Madame – Seria muito fácil. Bastava apenas usar a influência de seu pai e condená-lo à morte.

Rennée – Não faz isso mãe, não faz isso.

Madame – Não vou fazer, haveria muito escândalo e nós seríamos novamente motivo de chacota.

Rennée – Se não vai matá-lo, o que vai fazer?

Madame – Mandar prendê-lo.

Rennée – Eu vou com ele.

Madame – Não vai não, você fica aqui.

Rennée – Se ficar longe dele sou capaz até  de matar Anne, ela é a maior culpada.  Faria mais… (Pequena pausa) (Chorando) não, não, a senhora é minha mãe, não posso matar a minha própria mãe.

Madame – Meu Deus!!! Rennée, filha, você pensou em me matar?

Rennée – Foi o ódio do momento, já passou.  Eu quero matar apenas Anne, que é amante do meu marido.

Madame – Cristo!  O que ele está fazendo com nossa família, está nos destroçando!  Minhas duas filhas são amantes do mesmo homem, do homem mais nojento e depravado que já passou pela terra.

(Entra Anne, uma linda moça com cerca de 18 anos de idade.)

Anne – Ele não é um depravado.  É um incompreendido.

Madame – Tem razão.  Depravados são incompreendidos.

Rennée – (Em pânico) Você estava ouvindo a nossa conversa?

Anne – Não, mas imagino o que conversavam.  Tramavam contra mim, não é?

Madame – (Com uma doçura de Mãe) Que é  isso filha, eu sou sua mãe e ela é sua irmã.  Acha que desejaríamos o seu mal?

Anne – Acho.  Rennée deve ter falado até em me matar não foi, Rennée?

Rennée – (Ainda em pânico) Eu?!

Anne – Você sim, sei que me odeia.

Rennée – Mas você é minha irmã, como posso odiá-la?

Madame – Anne, sua irmã não a odeia.

Anne – Odeia sim.  Não suporta que o marido dela seja louco por mim.  Não suporta que eu seja a mulher que o Marquês de Sade ama.  (Virando na  direção de Rennée) O que acha disso, maninha? Seu marido me ama. (Gritando) Seu marido me ama!

(Rennée tem uma crise de choro)

Madame – Por Deus, Anne, pare com isso.

Anne – Parar por quê?  O que eu digo por acaso não é verdade?

Rennée – Sua maldita!

Anne – (Irônica) Mas eu sou sua irmã, como é que pode me chamar de maldita?

Rennée – Maldita! Maldita! Maldita! (Rennée se joga no chão e fica chorando)

Madame – Calma, Rennée, calma.  E você, Anne, pare com isso, já disse.  Um homem como o Marquês não merece que duas irmãs briguem por ele.  Ele é um doente, não pode e não deve ser disputado por vocês.

Anne – O meu homem…

(Rennée caída no chão olha para Anne)

Rennée – Seu homem?!

Anne – É! o meu homem, que por um acidente do destino é seu marido, não é nenhum doente! Os pensamentos e as idéias de Donatien são totalmente lógicos.

Madame – Lógicos? (Ri) Você está brincando, não é?

Anne – Pois fique sabendo, mãe, que o meu Marquês é um homem muito inteligente.

Madame – Não discordo, os maiores loucos da história foram homens dotados de uma inteligência acima do normal.

Anne – Ele não é louco, é apenas avançado demais para o nosso tempo. Ele devia ter nascido uns cem ou duzentos anos no futuro.

(Rennée levanta do chão)

Madame – É, pode até ser, mas acho que o Apocalipse vai demorar mais que 200 anos para acontecer.

Anne – Mãe, a senhora acha que ele é um monstro, acha que ele não tem coração.  Pois ele tem sim, sei que ele me ama.

Madame – Ele é marido de sua irmã.

Rennée – Ele é meu marido.

Anne – Se ele é teu marido por que não o defende dos ataques de mamãe?

Madame – Ela sabe que ele é um monstro.

Rennée – Monstro ou não ele é meu marido, a única coisa que eu tenho na vida.

Anne – Então você vai ter que procurar algo para preencher  o vazio deixado por Sade.  O Marquês agora é meu.

Madame – Se ele deixar Rennée, perderá tudo que tem.

Anne – Ele já não tem muito, a senhora tirou tudo dele.

Madame – Não viu nada, eu estava apenas começando.

Anne – Pois saiba que para eu ser feliz basta apenas que Donatien esteja ao meu lado.  Não hesitaria em fugir com ele.

Rennée – Eu iria atrás.

Madame – Eu não permitiria que vocês vivessem esse pecado, Anne.  Eu preferia te ver morta.

Anne – Então não é apenas Rennée que gostaria de me matar, a minha própria mãe diz que poderia me assassinar.

Madame – Você me entendeu mal, filha.

Anne – Não, eu entendi certo, a senhora me mataria para eu não fugir com o Marquês.

Madame – Eu só penso na sua felicidade.  Na sua  e na  da sua irmã.

Anne – Por acaso a senhora sabe do que eu preciso para ser feliz?  Eu preciso de Donatien, do Marquês, do meu Marquês.

Rennée – Seu Marquês, sua vadia!  Se mamãe não te matar eu te mato!

Madame – Que conversa é essa sobre morte?  Vamos mudar de assunto, nós somos uma família, temos que permanecer unidas.

Anne – Todos aqui querem me matar, é como no sonho que eu tive.  Eu num castelo, que não tenho certeza de ser esse, mas na hora, no meu sonho, eu agia como se o castelo fosse o meu lar.  Na sala tinha um piano, como este aqui. Eu começava a tocar, me esquecia do mundo, o piano estava me satisfazendo, me dava um prazer semelhante a um orgasmo, e quando eu voltei, quando parei de tocar, saindo do êxtase, me vi cercada de cobras que falavam comigo, falavam mal do piano.

Rennée – O que as cobras diziam?

Anne – Diziam que ele tocava músicas de uma maneira errada, que o meu objeto de prazer não funcionava corretamente. Diziam que o piano não era meu e por isso não podia tocá-lo, diziam para eu me livrar do piano, que eu devia esquecer o prazer que ele me dava, e quando as cobras se empolgavam falavam até em destruir o piano.

Rennée – Destruir o piano?

Anne – É. E vendo que eu não aceitava suas idéias, as cobras desistiram do piano e me assassinaram.

Rennée – Não compreendo? (Ingenuamente) Não seria justo que você ficasse com o piano (Anne ri marotamente) já que gostava tanto dele?

Madame – Mas o piano não era dela.

Rennée – Se um piano dá prazer a uma pessoa por causa das músicas que ele toca, essa pessoa deve por justiça ter algum direito sobre o piano.  As cobras não tinham o direito de se meter na sua vida, Anne.  De mais a mais, se um piano toca músicas e agrada pessoas, como ele pode estar funcionando mal?

Madame – (Percebendo a situação) Rennée, fique calada.

Rennée – Mas, mãe, você não vê injustiça no sonho de Anne ?

Madame – Não, não vejo. Vejo uma imaginação incrível.  Anne, você é muito inventiva.

Anne – Inventiva, eu? Será?  A questão é que estou com essa sensação de que todos querem me matar.  De que todos querem destruir o meu amado, por ele não ser compatível com essa sociedade hipócrita.

Madame – A questão real não é ser compatível com a sociedade.  Simplesmente o Marquês de Sade é o ser mais perverso que já pisou neste mundo.

Anne – Ele me dá prazer.

Madame – De que jeito? Fazendo coisas que Deus não permite? Fazendo coisas anormais? Praticando sodomia? Te batendo? Ele deve fazer todo tipo de barbaridade.

Anne – Ele me dá prazer,  já disse.

Rennée – Ele é meu marido.

Anne – Diz isso para nossa mãe, que não pára de atacá-lo.

Madame – Soube o que ele aprontou em Paris?

Anne – Não me importo.

Madame – Pois as autoridades se importam.  Eu mandei Rodolf Clotê atrás dele.

Anne – Para quê?

Rennée – É, para quê?

Madame – Para que voltasse a La Coste.

Anne – Donatien está voltando para La Coste?

Rennée – Está voltando para os meus braços?

(Anne ri)

Madame – O Marquês ainda não sabe, mas ele  foi condenado à morte.

Anne – À morte?! (Desesperada)  Querem matar o meu Donatien!  Querem matar o meu Marquês!

Rennée – Mãe,  a senhora não vai deixar, vai?

Madame – Não, não posso deixar que Sade  morra.  Seria uma mancha muito grande. Ninguém respeita uma família que tem um de seus membros morto pelo governo.  Por isso mandei que viesse pra cá.

Anne – E o que a senhora planeja?

Madame – Que ele fuja com sua irmã.

Anne – Como?

Rennée – Ele é meu marido.  Foge comigo.

Anne – Mas mãe?

Madame – Rennée  tem direitos sobre Sade.  Eu darei dinheiro para que fujam. Aliás, não perca tempo, Rennée, o Marquês está para voltar. Vá arrumar suas malas, que eu vou separar algumas jóias.

Anne – E eu?

Rennée – Vê se não atrapalha.

Madame – Por que não toca algumas músicas nesse seu tão querido piano?

(Saem Rennée e Madame Montreuil, Anne fica sozinha na sala tocando piano)

(Chega Sade)

Sade – Alguém em casa?

Anne – Se me procura estou aqui, meu querido Marquês.

Sade – Foi tocando este piano que te vi pela primeira vez.  Você me odiava.

Anne – Odiava.  Foram noites sem dormir só pensando em te matar.

Sade – E  depois, quando a gente passou a se encontrar?

Anne – Mais noites sem dormir.

Sade – Onde estão sua mãe e Rennée?

Anne – Minha mãe está lá em cima pegando algumas jóias. Agora,  se quer sua mulher, ela está no quarto dela.

Sade – Tem alguma dúvida que é a você que eu  quero?

(Anne vem em direção a Sade)

Anne – Quanto tempo esperei para que me possuísse de novo.

Sade – Em Paris, eu pensava tanto em você.

(Os dois se abraçam e se beijam)

Sade – Vamos, vamos pro seu quarto.

Anne – Infelizmente não é a hora apropriada.

(Madame Montreuil chega com uma caixa de jóias)

Madame – E não é mesmo.

(Madame Montreuil bota a caixa em cima de algum móvel)

Anne – Você corre perigo.

Sade – Perigo?

Madame – Foi condenado à morte pela corte de Aix.  Tem que sair da França.

Sade – Sair da França?  Pensei que queria me ver morto.

Madame – O senhor é marido da minha filha, e não quero ver Rennée sofrendo.

Anne – Mamãe acha que não seria bom para a reputação da família o fato de você morrer enforcado.

Sade – Não quer ser motivo de piada em Paris, não é, Madame Montreuil?

Madame – Um dia Deus vai fazer você pagar por tudo que fez a mim e a minhas filhas.

Sade – O que foi que eu fiz ?

Madame – Estragou a vida de Rennée se casando com ela.

Sade – Nunca quis me casar com Rennée.

Madame – Acabou com as chances de Anne ter um bom casamento.   E depois a seduziu.

Anne – Ele não me seduziu.

Madame – Tirou sua virgindade.

Sade – (Ri) Teoricamente não, pelo menos não no início.

Madame – Seu demônio!  Sodomia  é pecado, sabia?

Sade – Como é pecado se a natureza nos oferece os meios?  Não existem dois buracos?  Por que acreditar que Deus proíbe, se a natureza permite?  Os animais não fazem isso?

Madame – Está nos comparando com animais?

Sade – Não, estou apenas dizendo que existe um motivo que justifica a sodomia.  Por que só se pode fazer por um orifício quando a natureza fez o corte do outro muito mais conforme o órgão masculino do que o buraco dito apropriado?  Além do mais, a sodomia é a saída perfeita para que lindas moças continuem virgens e puras, sem medo de serem rejeitadas no casamento.

Madame – (Chocada) Esse tipo de relação não é correta.

Anne – Eu sinto prazer com ela.  Muito prazer.

Madame – Vocês dois vivem no pecado.  É incesto, é sodomia.

Sade – Não vejo dessa forma,  na verdade não fiz nada de mais.

Madame – Como não? Seduziu Anne.

Anne – Já disse que ele não me  seduziu.

Sade – Não seduzi.

Madame – Não banque o inocente comigo. O senhor pôs estas suas mãos sujas em minha filha Anne.

Sade – E o que há de errado nisso?

Madame – O que há de errado em seduzir a irmã de sua mulher?  É incesto sabia?

Sade – Sinto muito.  Simplesmente não consigo ver o que há de errado em pedir a uma moça que me ceda certas partes de seu corpo  que eu particularmente desejo…

Madame – Por Cristo!

Sade – Especialmente porque, em troca, estou disposto a ceder-lhe partes de meu corpo de que ela está desejosa.

Anne –  (Irônica) Vê, mãe, não há nada de errado nisso.

Madame – Deus do céu!

Sade – É apenas por prazer.  Não percebe?  Todo  mundo sempre está desejando várias partes do corpo de outra pessoa.  Nada mais natural.  Ocorre por uma variedade de nomes: Casamento,   prostituição, amor, perversão, pecado.  E quando se cede apenas na imaginação, nós chamamos de masturbação.  Não  importa o nome, o que importa é que ocorre.

Madame – Daqui a pouco o senhor vai me falar que também pratica sexo com outros homens.

Sade – E por que não? Tudo pelo prazer.

Madame – Pervertido! É por pensamentos assim que o senhor foi condenado à morte.

Sade – E qual foi a acusação?

Madame – Envenenamento e sodomia.  Ah, como eu queria vê-lo morrer!

Anne – Mamãe.

Madame – Ele merece, filha.  Merece morrer em nome de Deus.

Sade – A senhora ficaria muito satisfeita com isso, não ficaria?

Madame – Muito.

Sade – Nada faz o homem mais feliz do que matar em nome de Deus. Pense nisto: poder abandonar-se aos mais baixos instintos  a serviço de um poder mais alto.  Não pode haver melhor combinação.

Madame – Isso é história sua.

Sade – O maior desejo do homem é derramar sangue e, ao mesmo tempo, sentir-se virtuoso por causa disto.

Anne – Chega, querido, não temos tempo. Mãe, você já separou suas jóias?

Madame – Já.  E sei que ainda vou me arrepender por isso.

Sade – E eu vou para onde?

Madame – Para fora da França.

Anne – Eu vou com ele.

Madame – Quem vai é sua irmã, que é mulher dele.  Cadê ela que já devia ter descido?

Anne – Deve ter ficado arrumando as coisas.

Madame – Marquês, e o Senhor Clotê,  por que não veio?

Sade – Ele teve que discutir uns problemas em Paris.  Me pediu para avisar que depois ele acertava as contas com a senhora.

Madame – Menos mal.

(Rennée aparece)

Rennée – (Com desespero) Mãe, mãe!

Madame – Que é, filha?

Rennée – Vi pela janela a carruagem de meu marido.

Sade – É, eu estou aqui.

Rennée – Mas não foi só isso que vi.  Está lá fora o Monsieur Niollis.

Sade – O Monsieur Niollis, representante da corte de Aix?

Rennée – Ele mesmo.

Madame – O senhor tem que ir embora.

(Madame Montreuil pega a caixa com jóias e dá ao Marquês)

Madame – Aqui tem as algumas jóias, venda pelo melhor preço.  Tem também algum dinheiro, o suficiente para se manter até sair da França.

Sade – Então vou-me embora.

Madame – Tua mulher vai contigo.  Ali pela despensa há uma saída secreta.

Sade – Vem, Anne.

Madame – Eu disse sua mulher!

Sade – Chamei minha mulher.

Rennée – Eu é que sou sua mulher!

Anne – Mas sou eu que vou.

Madame – Não vai não, sua criança desnaturada.

Sade – Ela não é criança.

Madame – Não vê que tudo que ele lhe oferece é pecado?  Tudo é perversão e  incesto!

Sade – Como você sabe que perversão e incesto não são do gosto de sua filha?

Madame – Seu demônio, não ouse se intrometer entre mãe e filha.

Sade – Este tipo de relação não me impressiona.  E a palavra “mãe” não me comove nem um pouco.  Apenas porque a senhora se divertiu com um homem, muitos anos atrás, e aconteceu de engravidar, não lhe dá o direito sobre esta jovem.

Madame – (Chorando) Anne!  Minha querida, você é fruto do meu corpo.  Carreguei-a nove meses aqui, sob o meu coração.  E desde então você tem sido parte de mim.

Sade – Não ligue para o que ela diz, Anne.  Carregou-a aqui, sob o coração! Ha!  Ora, ela nem sabia se estava levando uma menina ou um menino.  Você era apenas alguma coisa que crescia dentro dela, e poderia muito bem ter sido um tumor.  Sim, e tenho certeza que houve momentos em que ela não sabia se você era real, ou se era apenas gás no estômago.  E, na verdade, ela preferia que fosse gás.

Anne – Eu vou com ele, mãe.  Vamos, querido, não temos muito tempo.

(Rennée tem uma crise de choro)

(Anne e o Marquês de Sade saem de cena correndo)

Madame – Enquanto eu for viva e respirar, o Marquês de Sade vai se  arrepender por ter feito isso!

(Apagam-se as luzes da cena de fundo, na frente do palco aparecem dois homens)

Homem1 – Paris já não é a mesma.

Homem2 – Nada de novo acontece.

Homem1 – Quem foi que teve a infeliz idéia de moralizar a cidade, hein?

Homem2 – Infeliz idéia!

Homem1 – Parece que nada mais acontece aqui.

Homem2 – Como não, eu comprei a tal cadeira do Duque de Fronsac.

Homem1 – Comprou, e está dando resultado?

Homem2 – Que nada, não consigo atrair mulher para a minha casa.

Homem1 – E o que tem feito com a cadeira?

Homem2 – Inúmeras experiências com as minhas criadas.

Homem1 – Criada não conta, você não precisa da cadeira para ter uma criada.

Homem2 – Não preciso, mas com a cadeira é muito mais excitante. Os gritos das criadas me estimulam.

Homem1 – E as criadas?

Homem2 – Elas não gostam muito, mas não reclamam.

Homem1 –  (Triste) É, tirando você com a sua cadeira, já faz um tempão que não acontece nada nesta cidade.

Homem2 – Pois é, nem o Marquês de Sade tem sido notícia.

(Os dois homens atravessam o palco) (Acendem-se  as luzes do cenário de fundo)

(Castelo em La Coste, estão em cena Madame Montreuil e sua filha Rennée)

Madame – Um ano. Um ano.  Já passou um ano desde que o  Marquês de Sade roubou minhas jóias e fugiu com sua irmã.  Um ano de tristeza e dissabores, o pior ano de minha vida.

Rennée – Da sua vida?

Madame – Das nossas vidas.

Rennée – Anne ainda há de me pagar por isso.

Madame – E o Marquês não sabe o que o espera.

Rennée – Eu ainda o quero.  Ele é meu marido.

Madame – Às vezes, filha, acho o seu comportamento tremendamente patético.

Rennée – Não entende a minha posição, não é?  Apenas me importo com Donatien por ele ser meu marido.

Madame – Mas ele te trocou por sua irmã.

Rennée – Para mim a relação entre marido e esposa é muito mais sagrada do que a de  irmãs. Eu quero que Anne morra e quero que Sade venha para o meu lado.

Madame – Mas se ele voltar,  continuará te traindo com outras.

Rennée – Se não for com Anne, eu permito.  Com Anne é incesto.

Madame – Com outras também é pecado.

Rennée – E todos não fazem?  Não há mulher aqui na França que nunca foi traída.

Madame – E você me inclui nessa lista, filha?  Seu pai nunca me trai.

Rennée – Não se faça de boba, mãe.

Madame – O que quer dizer?

Rennée – Quero dizer que eu sei e a senhora também sabe que papai te traiu.  Eu era criança, mas sabia que não era normal que o papai avançasse nas criadas.

Madame – Quer dizer que você sabia?

Rennée – Eu sabia e Anne também sabia.

Madame – Anne também?!

Rennée – É, nós já conversamos sobre isso.

Madame – Conversaram?!

Rennée – Conversamos.  E nessa conversa chegamos à conclusão que não há, nem houve, mulher no mundo que nunca foi traída.  Foi com você, mãe, que eu descobri que o que vale, que o que importa mesmo, é saber ser traída e continuar vivendo, continuar ao lado do marido.

Madame – Mas, filha, seu pai é homem virtuoso, com lugar garantido ao lado dos anjos, enquanto o Marquês é um monstro perverso.

Rennée – É o marido que a senhora escolheu para mim.

Madame – Seu argumento é muito forte.  A culpada sou eu, antes não tivesse nascido, (Chorando)  antes eu não tivesse tido filha nenhuma.

Rennée – Calma, mãe, a culpa não é sua, a culpa é de Anne.  Anne frustrou meus planos.  Enquanto fossem outras, desconhecidas, que tivessem relações com meu marido, tudo bem.  Mas Anne é minha irmã, como posso aceitar que ela tenha um caso com o meu Donatien?

Madame – Não pode.

Rennée – Não posso. Antes eu era igual a todas a mulheres da França, a todas as mulheres do mundo.  Agora eu sou parte de um caso anormal.

Madame – Mas tenho esperança que eles irão voltar.  O dinheiro que eu dei não será o suficiente.  Eu soube que eles estão na Itália. Se passam por um casal, adotaram os títulos de Conde e Condessa de Mazam. Passam o tempo pulando de orgia em orgia. Com o tipo de vida que estão levando, o dinheiro não durará muito. Já estou vendo até a cena. Anne  e o Marquês entram por essa porta me pedindo desculpas e querendo a minha proteção.

(Anne entra em cena aos berros)

Anne – Mãe, Mãe!

Madame – (Vitoriosa) Não falei?

Anne – Mãe, precisamos de mais dinheiro.

Rennée – Cadê o meu marido?

Anne – (Ignorando a irmã) Mãe, precisamos de dinheiro para podermos  continuar fora da França.

Madame – Anne, responda  a sua irmã.  Cadê o Marquês de Sade?

Anne – Ele ficou escondido enquanto eu vim aqui falar com a senhora.

Rennée – Escondido onde?

Anne – Acha que eu vou falar, para que vocês o entreguem?

Madame – Entregar o Marquês, acha que faríamos isso, filha?

Anne – Acho.

Madame – O que você pensa da sua mãe?   Enquanto estiveram fora, em orgias, sim eu soube que vocês participaram de orgias, nesse tempo…  eu lutei para que esse monstro, que é marido de sua irmã, lembra disso? Que ele é marido de sua irmã? Pois bem, eu consegui que ele fosse absolvido das acusações de sodomia e  envenenamento.  Ele não corre mais perigo de vida.

Anne – (Numa felicidade fora do comum) Não?! Quer dizer que ele pode voltar à França sem perigo?

Rennée – Pode voltar para os meus braços.

Anne – (Feliz) Que seja! Se ele quiser, pode ter até nós duas.

Madame – Anne, aqui em casa eu não permitirei esse tipo de perversão.  Agora me diga, onde está o  Marquês?

Anne – Eu o trarei até aqui.

Madame – Por que não descansa da viagem, que eu cuido para que o Marquês seja recebido aqui com um grande banquete?

Anne –  (Ingenuamente) Tá bom, mamãe.

(Anne tira um papel do decote do seio)

Anne – Este aqui é o endereço.

(Apagam-se as luzes do cenário de fundo)

(Entra o Marquês de Sade na parte da frente do palco)

Sade – Por que Anne está demorando tanto?  Será que Madame Montreuil não quis dar o dinheiro? Será que prenderam Anne?  Não, ela é uma mulher inteligente, sabe se virar.

(Entram em cena dois policiais, um deles Monsieur Niollis)

Niollis – Marquês de Sade, o senhor está preso!

(Monsieur Niollis aponta uma arma na direção de Sade, o outro policial vai na direção de Sade e o amarra)

Sade – Monsieur Niollis, como me descobriu?

Niollis – Reconhece esse papel, onde tem anotado o endereço daqui?

Sade – Anne?  O que fizeram com ela?

Niollis – Nada, ela te entregou.

Sade – Mentira!

Niollis – Não é mentira.  Anne disse que estava cansada de viver fora da França.  Disse que o senhor sabia disso.

Sade – Sei que ela nunca gostou de morar fora da França, porém na Itália fomos muito felizes.

Niollis – Acho que ela prefere morar na França sozinha a voltar à Itália.

Sade – E agora o que será de mim, vão me matar?

Niollis – O senhor foi absolvido.  Não vai mais morrer.

Sade – (Com estranheza) Então pelo que me prendem?!

Niollis – Pelo roubo das jóias da Madame Montreuil.

Sade – Mas eu não roubei as jóias de minha sogra.

Niollis – Ela deu queixa.  E o senhor foi considerado culpado.

Sade – Essa desgraçada!  Pelo menos é uma pena curta.

Niollis – Normalmente seria. Porém, o senhor foi condenado à prisão perpétua.

Sade – Prisão perpétua?!

Niollis – Exatamente.

Sade – Quer dizer que não ficarei livre jamais?  Nunca novamente vou poder sair pelas ruas de Paris, ou me divertir nas festas do Rei?

Niollis – Nunca.

Sade – E tudo por causa daquela mulher.  Tudo por causa de Anne que me traiu.  Ah, como eu a odeio!  Odeio Anne, odeio Madame Montreuil, odeio Rennée.  Eu ainda vou me vingar, ainda vou me vingar!

Niollis – Não, o senhor não fará mal a mais ninguém.

Sade – Não, eu não posso passar o resto de minha vida preso.  Eu prefiro a morte.

Niollis – Eu preferia te matar.

Sade – Então me mate.

Niollis – Não posso, tenho que levá-lo vivo.  O senhor vai ter o que a lei lhe designou.

Sade – Eu não reconheço essa lei que me pune por coisas que considero normal.

Niollis – O senhor foi preso por causa do roubo de algumas jóias.

Sade – E quer que eu acredite nisso? Sei que me prenderam por causa dos meus hábitos.

Niollis – O senhor quer dizer, suas perversões.

Sade – Perversão é um governo prender um homem só porque este homem age diferente da maioria.

Niollis – Fale o que quiser, suas palavras não adiantarão nada.

Sade – Pois saiba que eu ainda vou me vingar, as pessoas nunca esquecerão o nome Sade.

Niollis – Lembrarão dele como um símbolo de maldade e depravação.

Sade – Eu sou aquele que veio e contestou o sistema. Eu serei um mártir.

Niollis – Não existe mártir que não morra pela causa, o senhor apenas será esquecido nas prisões da França.  Esquecido, entendeu?

Sade – O senhor está enganado.  Eu serei lembrado.  As pessoas se lembrarão de mim e séculos após a minha morte ainda discutirão a minha vida e as minhas verdades.

Niollis – Verdades… o senhor vive na mentira!

Sade – Pela sua ótica. Pela sua ótica.

Niollis – Pela única ótica.

Sade – A ótica de Deus?

Niollis – Sim, o que o senhor faz é pecado.

Sade – Se eu vivo no pecado, por que não me deixam em paz no meu lixo?

Niollis – É a velha história da maçã podre.

Sade – Será que não é medo de descobrirem que eu estou certo. Que se deve viver em busca do prazer e não se castrando?

Niollis – Ah, como eu queria acabar com o senhor aqui mesmo.

Sade – Pois me mate.  Segundo o senhor seria bom para a sociedade.

Niollis – Se eu te matasse sei que Deus me perdoaria.

Sade – Deus perdoa a todos, me mate.

Niollis – Não, prefiro que o senhor passe o resto da sua vida lamentando.  E cada dia o senhor há de lembrar que eu te neguei a morte, que eu lhe levei ao sofrimento maior.

Sade – Maldito!  Maldito!  Eu não serei esquecido assim. Eu não serei esquecido assim!

Niollis – Não, o senhor não será esquecido.  O senhor será lembrado para que nunca mais haja neste mundo um elemento como o senhor.

(Se dirigindo ao policial) Vamos embora, esse sujeito nojento já nos tirou tempo demais.

(As cortinas se fecham)

 

Fim do segundo ato.

TERCEIRO ATO

 

(Hospício de Charenton, o cenário é escuro, composto por uma escrivaninha e uma cama.  Na cena, o Marquês de Sade está deitado na cama. Ele está velho, passou a maior parte da sua vida entrando e saindo de prisões, por fim veio parar num hospício)

(Alguém bate à porta, é o doutor Ramom, um médico de cerca de 38 anos, que trata de Sade. Ele traz consigo uma maleta. De vez em quando, Sade tosse. Apesar de dominar o diálogo, ele não está bem de saúde)

Sade – Será que um velho não pode nem ter uma noite de sossego sem ser incomodado?  Quem é?

Médico – Sou eu, o  Doutor Ramom, vim ver como o senhor está hoje.

Sade – Pois então entre. (O doutor entra, e é recepcionado pelo Marquês de Sade que levanta de sua cama) Não sei por que se preocupa comigo, mais dia menos dia morrerei mesmo! Quem sabe não será hoje que  me deitarei na cama e morrerei?  Não seria tão mal, me livraria de várias angústias que me consomem.

Médico – Não fale assim. Pense no que foi a sua vida, ache algum motivo para viver.

Sade – Minha vida. Hum!  Parece que não conhece minha fama, doutor.  Eu sou o único monstro na terra.  Todos  são santos e eu sou um monstro.

Médico – Se tornou um velho amargo, hein Marquês…

Sade – Amargo?  Já fui condenado à prisão perpétua, depois decidiram me soltar apenas para que após um curto período de liberdade me prendessem de novo.  Isso se repetiu várias vezes.  Fui perseguido na monarquia, fui perseguido na república, e sou agora perseguido por uma nova monarquia. Eu passei a vida indo de prisão em prisão e por fim termino num hospício. E o senhor, doutor, me chama de amargo? Como reagiria, se te privassem de sua liberdade?

Médico – O senhor mereceu tudo que teve.

Sade – Mereci e por quê?  Por fazer coisas que achava correto e que me davam prazer?

Médico – O senhor fez coisas que Deus não permite.

Sade – Coisas que Deus não permite?  E quem te disse isso, por acaso foi Deus?  Quando dormia, Deus chegou para você num sonho  e disse:  “Meu bom doutor Ramom, o Marquês de Sade fez coisas que vão contra aquilo que designei para o homem, por isso o puni.” Será que foi assim?

Médico – Foi Deus quem me disse, não  foi num sonho, foi através de seu livro, foi através da bíblia.

Sade – Um livro me condena.  Um livro que pode ter sido escrito por qualquer um, um livro que pode até ter sido o maior trote da história da humanidade.

Médico – Mesmo velho, o senhor não pára de dizer essas loucuras.

Sade – Loucuras, vai ver foi por isso que vim parar num hospício.

Médico – Essa revolta ainda vai te matar.

Sade – Espero que sim.  Não agüento mais minha vida, passei mais de vinte anos preso.  Já está na hora de morrer.

Médico – Nunca está na hora de morrer.  Sempre temos que pensar que há algo que ainda possamos fazer na vida.

Sade – (Irônico) E o que eu posso esperar da minha vida, doutor?

Médico – Não sei. Isso quem pode me dizer é o senhor.

Sade – Eu não posso dizer nada, eu sou um velho amargo.  Não espero nada de minha vida.

Médico – Mas o senhor não se diverte ao escrever?

Sade – Já leu algum livro meu, doutor?

Médico – Não, não é o tipo de literatura que eu admiro.

Sade – Então o senhor não sabe sobre o que eu escrevo.

Médico – Eu imagino.

Sade – Eu escrevo sobre a realidade, a realidade que me foi tirada.  Eu escrevo sobre desejos.  Eu  escrevo sobre vingança e sobre tragédia.  A escrita substituiu minha vida.  Tudo o que eu escrevi eu gostaria de ter vivido, sentido na pele.

Médico – Entendo.

Sade – Não, o senhor não entende.  O senhor é jovem.  O senhor ainda tem sonhos, deve  acreditar até que Napoleão é um bom imperador.

Médico – E não é?

Sade – Não, é megalomaníaco, quer conquistar o mundo.  Napoleão é um bárbaro.

Médico – Com a sua fama, o que o senhor pode falar de Napoleão?

Sade – Posso dizer que eu nunca matei ninguém.  Será que Napoleão pode falar o mesmo? Acho que não.

Médico – Ele matou pela pátria. Eu tenho orgulho de Napoleão, ele só quer o bem da França. O senhor também devia admirá-lo.

Sade – Ele matou pela França e me trancou aqui pela pátria. Também devo me orgulhar disso?

Médico – Não questione o seu castigo, o senhor merece.

Sade – Mereço?

Médico – Merece.

Sade – Diria que é uma punição de Deus?

Médico – Diria que sim.  Deus pune os que não têm amor no coração.

Sade – E o que o doutor entende de amor?

Médico – Amor é tudo na vida.

Sade – Puxa, sua resposta foi tão clara, me disse tudo. Ora, ora, ora! Eu, aqui, doente, já à morte, tive uma revelação!

Médico – Não faça piada do que eu disse.

Sade – O senhor não sabe o que é amor.

Médico – Não sei o que é amor?  E o senhor, meu caro Marquês, que traia sua esposa, batia nas suas amantes, que envenenava mulheres, quer ensinar a mim o que é o amor? Deve estar brincando!

Sade – Não, não estou brincando.

Médico – Me diga então o que é o amor para o senhor?

Sade – Amor é dar prazer aos outros, não importa de que maneira.  De preferência com uma conturbada noite de sexo.

Médico – Sexo é bom, mas não é tudo. Amor não é só prazer.

Sade – Não é, porque  o homem distorceu o sentimento!

Médico – O homem distorceu o sentimento?

Sade – Ele fez do amor uma prisão.  O homem criou a instituição casamento.

Médico – O casamento é a união de espírito de duas pessoas que se amam.

Sade – O casamento tem sido mais um negócio entre famílias do que a união por amor.  De mais a mais, as pessoas não podem se prender umas às outras por serem casadas, por um dia terem se amado.

Médico – O casamento não é negócio, não é um acordo financeiro como o senhor acha.

Sade – É sim, os homens institucionalizaram o amor. Criaram regras onde devia apenas existir instinto. O amor devia ser livre! Num momento eu amo uma pessoa, no outro eu amo uma segunda pessoa.  Devia ser como fazem os outros animais, que não se prendem a parceiros. Vivem a individualidade.

Médico – Nós evoluímos, aprendemos a viver a coletividade.

Sade – Não, nós esquecemos  que antes do grupo existe o indivíduo. O estado não é nada sem o elemento humano.  Não existe grupo sem individualidade.

Médico – Mas a individualidade não pode ser protegida sem o grupo. Já pensou cada um seguindo suas vontades sem respeitar nenhuma regra?

Sade – A única regra seria apenas sentir prazer.

Médico – Ia ser o caos total.

Sade – Ia ser a vida.

Médico – Como… a vida?

Sade – Nunca parou para pensar que onde há  caos há vida?

Médico – Isso é loucura sua.

Sade – Loucura, sei.  Não há vida na paz, no silêncio.  O senhor já pensou como seria a vida sem o caos e a desordem?

Médico – Seria da mais pura tranqüilidade. De um silêncio ensurdecedor.

Sade – De um silêncio inumano, estou certo doutor?

Médico – (Pensativo) É, de um silêncio inumano.

Sade – Meu caro doutor, e como posso saber se há vida se nada acontece neste mundo de silêncio inumano?

Médico – As coisas acontecerão.

Sade – Como?  A tranqüilidade é o primeiro passo para a acomodação, e daí é um pulo para a não evolução.

Médico – E o senhor acha que a desordem e o caos trazem alguma evolução?

Sade – Me diz, doutor, existe época que seja mais caótica do que um período de guerras?  O senhor há de concordar que não.

Médico – Concordo, a guerra é um período bastante conturbado.

Sade – E não é nesses períodos de guerra que temos as maiores evoluções científicas?

Médico – É duro discutir com o senhor.  Sempre ouvi a sua fama, sabia que o senhor não era uma pessoa comum quando vim trabalhar aqui. O temível Marquês de Sade, o homem que não tem respeito pela vida humana, o homem que nunca amou.

Sade – Quem disse que eu nunca amei?

Médico – Não quer que eu acredite que o senhor já amou alguém em sua vida, quer?

Sade – Acredite no que quiser.

Médico – (Incrédulo) O senhor já amou alguém?!

Sade – Já.

Médico – É verdade?

Sade – É, a mais pura das verdades.  Nunca houve no mundo ninguém mais apaixonado do que eu.

Médico – Não vai dizer que o senhor estava disposto a abdicar de todas as outras mulheres por ela?

Sade – Doutor, o senhor é muito jovem, muito inexperiente, nunca se abdica de uma mulher por outra.

Médico – Não?

Sade – Não, o que devemos fazer é tentar unir as duas.

Médico – O senhor é mesmo um depravado.

Sade – É o que todos dizem.

Médico – Mas me diga, quem foi essa mulher que o senhor amou?

Sade – Foi minha cunhada, Anne Prospere.

Médico – Sua cunhada!

Sade – Eu amei Anne com todas as minhas forças.  Só que ela me traiu, por causa dela eu fui preso.  Por causa dela e de sua mãe, a Madame Montreuil, perdi a minha liberdade para o resto da minha vida.

Médico – O que ela fez? Te acusou de sodomia?

Sade – Eu fugi com ela para a Itália. Lá vivemos dias de inesquecível prazer. Cada noite era uma novidade, cada minuto era uma surpresa.  Ah! Eu nunca fui tão feliz!  O senhor não sabe o quanto é bom fugir para outro país com a irmã da sua própria esposa.

Médico – Sua sogra deve ter tido vontade de morrer.

Sade – Antes ela morresse.  Bom, lá estava eu com Anne, na Itália, vivendo dias incríveis, e noites espetaculares, quando acabou o dinheiro. Precisávamos voltar, precisávamos que Madame Montreuil nos desse mais dinheiro.

Médico – Então o senhor e Anne voltaram para a França?

Sade – Exato. Eu fiquei escondido e Anne foi até o meu castelo em La Coste.

Médico – Esse castelo foi destruído quando a monarquia caiu,  não foi?

Sade – É, ele mesmo. Ele era magnifico.  Anne foi até o castelo pedir dinheiro à sua mãe, depois ia se encontrar comigo para voltarmos à Itália.  Mas ao invés dela, adivinha quem apareceu?

Médico – Sua sogra, Madame Montreuil.

Sade – Não, não foi minha sogra, quem apareceu no meu esconderijo. Foi o Monsieur Niollis.

Médico – Quem?

Sade – O Monsieur Niollis, representante da corte Aix.

Médico – Anne te traiu?

Sade – É, me traiu.

Médico – Como o senhor pode ter certeza?

Sade – O Monsieur Niollis me disse.

Médico – Ele pode ter mentido.

Sade – Ele me mostrou o papel onde Anne anotou o endereço do esconderijo.

Médico – Mas esta não é uma prova incontestável. Podiam ter forçado Anne a entregar o endereço.

Sade – O problema não foi a prova, eu sabia da vontade de Anne de voltar à França. Sabia que ela não resistiria ao exílio.

Médico – Então Anne te traiu.

Sade – É, eu fiquei irado. Não podia crer que a mulher que eu amava tinha me traído dessa forma.  Se fosse outro homem eu não ligava, até incentivava. Mas ela me entregou para a polícia.  Me tirou a liberdade.  Eu não podia perdoar.  Eu até hoje não a perdoei.

Médico – O senhor devia esquecer isso, parece que ainda sofre muito por causa de Anne.

Sade – Anne é passado. O problema é que o meu presente é a prisão, e o meu futuro é sem perspectiva.

Médico – Situação difícil a sua, hein…

Sade – Eu queria morrer.  Eu queria não ter ficado tanto tempo preso.  Eu queria ter vivido mais.

Médico – O senhor poderia ter evitado toda essa tragédia que se tornou sua vida.

Sade – Como? Mudando minha maneira de viver, mudando minha maneira de pensar? Jamais.  Nuca seria engolido pela sociedade.  Só não entendo já que se eles não me aceitavam do jeito que sou, por que não me mataram, por que não tiveram ao menos piedade? Por quê?

Médico – Uma vez li um texto político, um texto escrito pelo Marquês de Sade. É, um texto seu, no qual o senhor dizia que os revolucionários cometiam o mesmo erro da Monarquia: matavam os inimigos que pensavam diferente. Com isso corriam o risco de criar mártires.

Sade – Eu sempre disse que nunca devia haver matanças em nome do governo. Mas se mataram tantos, por que não podiam matar a mim, me poupar do sofrimento?

Médico – Agora não adianta mais, o senhor já está velho. Já sofreu tudo que podia sofrer numa prisão.

Sade – É, agora não preciso que me matem, mais dia menos dia eu me livro dessa vida mesmo. (Pequena pausa) Sabe doutor, vou te contar uma coisa que nunca contei para ninguém: no dia em que soube da morte de Anne, que ocorreu há uns dois anos, eu chorei.

Médico – Isso é normal.

Sade – Eu nunca chorei por ninguém, mas por ela eu chorei.

Médico – É que o senhor a amava.

Sade – Eu queria tanto que ela não tivesse me traído.  Que tivesse me procurado.

Médico – Mas ela te traiu, e o senhor não pode mais mudar a história.

Sade – Eu ficaria feliz se ela tivesse se arrependido, se ela viesse me visitar pedindo perdão.

Médico – Acho que mesmo que ela quisesse a sua sogra não deixaria.

Sade – Tem razão.  Vai ver ela se arrependeu de ter me traído e Madame Montreuil não permitiu que Anne viesse atrás de mim.

Médico – Isso pode ter acontecido.  Aliás, é bastante provável. Madame Montreuil cuidou para que o senhor não recebesse cartas de ninguém.  Lembro que um dia, anos atrás, chegou uma carta para o senhor. Sua sogra ficou sabendo não sei como e veio a tempo de impedir que a recebesse.

Sade – Uma carta de Anne?

Médico – É provável. Pareceu muito importante para sua sogra.

Sade – Devia ter sido uma carta de Anne, dizendo que havia se arrependido. Uma carta de Anne.

Médico – Isso aliviaria seu coração?

Sade – Eu poderia morrer em paz.

Médico – O problema é que saindo desta vida o senhor será mais uma vez julgado. Terá que acertar contas com Deus.

Sade – Eu não tenho medo de Deus. Que castigo ele poderá me dar? Eu já passei por tudo aqui na terra.

Médico – Ele pensará em alguma coisa.

Sade – Eu não tenho medo de Deus.

Médico – Devia ter.  Bom, eu já me demorei muito por aqui, tenho que ver como estão os outros pacientes. (O doutor abre a maleta e pega um vidro de remédio e uma colher, bota o remédio na colher e dá para o Marquês) Esse remédio aqui vai acabar com sua tosse.

Sade – Obrigado doutor.

( O médico sai)

(Sade vai para cama e se cobre)

Sade – (Gritando) Essa é sua última chance!  Estou falando sério, sua última chance!  Dez segundos para me matar!  Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez. Ahhh!!!!  (Morrendo) (Fecham-se as cortinas)

Fim do terceiro e último ato.

 

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* Denys Presman não é sádico, infelizmente, é apenas jornalista e brasileiro

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