Mais de Sade

Posted: 9th julho 2011 by Denys Presman in teatro
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O texto abaixo é uma passagem da peça “Sade, o Marquês”, de Denys Presman.(De 1996). Inspirado no livro de Guy Endore “Sade – O santo diabólico”

Clique aqui para ler a peça na íntegra.

Rodolf  – Então, Sade, você volta comigo ?

Sade – Volto.  Volto para La Coste.  Vou enfrentar minha sogra.  E me unir definitivamente com Anne.

Rodolf – Você a ama de verdade ?

Sade – Amo.

Rodolf – Pois vejam só, o monstro, o animal, o pervertido.

Moça2 – Ele não é magnífico?

Moça1 – Eu adoro a fama dele!

Rodolf – O famoso Marquês de Sade tem coração.

Sade – Tenho coração e sinto amor, muito amor.  Amei Anne no primeiro olhar, estava tudo arranjado para eu casar com Rennée. Por um desses acasos do destino conheci a irmã de minha noiva…  amei a irmã de minha noiva.  Tentei convencer Madame Montreuil a me deixar casar com  Anne em vez de Rennée.  Ela não quis.

Rodolf – Não sabia desses detalhes.

Sade – É, amei a minha cunhada na primeira desfeita que ela me fez.  De início,  ela me odiava.  O amor tem que um pouco de ódio. Ser violento. Se não para durar, pelo menos para dar prazer. Me apaixonei quando ela foi agressiva comigo. E ela se apaixonou pela minha fama e pela minha personalidade.  Aos poucos se entregou e virou minha esposa de fato.  Teve o papel que deveria ser de sua irmã.

Rodolf – E Madame Montreuil descobriu?

Sade – Desconfia.  Acho que ela faz vista grossa. Não suportaria saber que as duas filhas são amantes do mesmo homem e que eu sou este homem.  Madame Montreuil me odeia. Vive me perseguindo, já tirou tudo que eu tenho. Agora quer me tirar Paris. Qual será o próximo passo?  Quem sabe a minha liberdade?  Parece até que é castigo.

Rodolf – E será  que não é de repente um castigo de Deus?  A mão divina?

Moça1 – Eu acredito em Deus…

Sade – (Ri) Deus??  O que é Deus ?  Uma força superior, uma força da natureza.  O senhor maior.  Eu não tenho medo de Deus. Eu não vivo para Deus.

Rodolf – Não se preocupa com sua morte, com o depois, com a questão da imortalidade da alma?

Sade – (Fala com desdém) Eu!!! (Hesita) Eu, eu não me preocupo com estas coisas.  Posso a qualquer momento enfrentar Deus e ele não me punirá.

Rodolf – Mas Deus age de maneira misteriosa.

Moça1 – (Delirando) Eu acredito em Deus.  Eu acredito na maneira misteriosa como ele age.

Sade – (Ignora a moça1) Se a maneira dele é misteriosa, como posso saber qual é, e se não sei qual é como posso dizer que ele existe.  Sou da seguinte opinião, se Deus existe não interfere na vida dos homens.

Rodolf – Ah é ! E Madame Montreuil? Acho que ela é um exemplo da maneira misteriosa com que Deus age.

Sade – (Sério como quem acaba de receber uma revelação) Não pode ser.  (Mudando de tom, rindo) De jeito nenhum.

Rodolf – Na minha opinião Madame Montreuil é  uma interferência divina.

Moça1 – Eu já sofri com a interferência divina.

Sade – (Rindo) Eu não mereceria tanto.  Minha sogra é castigo suficiente para uma eternidade toda.

Moça1 – Eu era casada com Cristo.

Sade – (Se vira para moça1) O que é que você está falando?

Moça2 – Não liga não, ela às vezes se perturba com esse tipo de discussão religiosa.

Moça1 – Eu era casada com Cristo, o que podia esperar da minha vida?

Rodolf – Podia esperar a eternidade, uma alma imortal.

Sade – A felicidade não está na imortalidade.

Rodolf – Não? Então o que viemos fazer neste mundo?

Moça2 – Ser feliz.

Moça1 – Eu queria ser feliz.

Rodolf – Ser feliz sem princípios básicos?

Sade – Os únicos princípios básicos que se deve seguir são os individuais.

Rodolf – Você nega tudo. Nega a religião, nega os sentimentos patrióticos, nega tudo!

Sade – Não nego, apenas acho que antes da religião, antes da pátria, vem o indivíduo.  Uma pessoa não pode viver para religião, não pode se censurar pela religião. Uma pessoa não pode viver e, em hipótese alguma, morrer pela pátria.  A pátria e a religião é que deveriam agir em prol das pessoas.

Moça1 – Eu não queria Cristo, um marido virtual, que eu não  posso tocar.  Um marido que não me toca, que não me traz presentes, nem me diz boa noite antes de dormir.  Eu não queria Cristo.

Rodolf – Mas Cristo é perfeito. Ele veio ao mundo salvar a todos nós.  Você devia ficar feliz por ter uma vida longe do pecado.  Em vez disso olhe o que se tornou?

Moça2 – Se você acha isso por que não se tornou padre?

Sade – (Com indisfarçavel felicidade)  Diga, meu caro Rodolf, por que não se tornou padre?

Rodolf – Eu quando jovem pensei seriamente em ser padre.  Me recolher num mosteiro e esquecer do mundo.

Sade – E o que o fez desistir?

Rodolf – Minha família me arranjou um casamento.

Sade – Outra vítima.

 

Clique aqui para ler a peça na íntegra.

* Denys Presman não é sádico, infelizmente, é apenas jornalista e brasileiro.

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