Há 75 anos, nasciam as grandes multidões. Aquela massa de gente, de emoção, que juntas se tornam uma só entidade, um só corpo, que vibra, chora, grita gol, até mesmo faz gols. Surgia o Maracanã. Até então, não havia sequer um lugar onde coubesse o tamanho do amor dos torcedores pelo futebol.
Imagina a loucura que foi. A cidade era euforia. O Brasil sediaria a sua primeira Copa do Mundo. Anos antes, alguém teve a ideia…. E se construíssemos o maior estádio do mundo? Loucura, defendiam uns, já havia São Januário, não era necessário outro grande estádio. A Câmara Municipal do então Distrito Federal pegava fogo. Os vereadores Carlos Lacerda e Ary Barroso divergiam. Lacerda queria que o estádio fosse em Jacarepaguá, queria poucos gastos com a obra. Já o famoso compositor pensava que o terreno do antigo Derby Club, no bairro do Maracanã, era o ideal. Mario Filho foi o maior entusiasta da construção do Maior do Mundo e concordava com Ary Barroso. Depois, o local que nasceu sob o nome de Estádio Mendes de Moraes (então prefeito do Rio de Janeiro) e conhecido como Estádio Municipal do Derby, virou em 1966 o “Estádio Jornalista Mario Filho”, graças a Deus fincado no Maracanã.
Templo do futebol, um estádio de Reis
O Maracanã foi um dos grandes palcos da vida de Pelé. E você deve estar se perguntando como isso é possível se o jogador fez praticamente toda sua carreira no Santos, nos campos paulistas? A explicação é simples: os Deuses do futebol queriam. Para o melhor da história, estava reservado o maior do Mundo.
A trajetória de Pelé na seleção começa no Maracanã. Dia 07 de julho de 1957, o atacante tinha apenas 16 anos. A estreia foi na Copa Rocca contra a Argentina. O Brasil não jogou bem, perdeu de 2 a 1. Mas, advinha quem meteu o gol brasileiro? O Rei!
Foi da marca do pênalti do gramado do Maraca que Pelé correu e, com sua clássica paradinha, venceu o goleiro Andrada, do Vasco, e marcou o seu milésimo gol. A data, dia 19 de novembro de 1969. No total, Pelé jogou 97 jogos no Mario Filho e marcou 69 gols.
Anos mais tarde, o estádio conheceria um novo Rei, nascido na terra sagrada de Quintino. O menino Arthur Antunes Coimbra fez sua estreia pelo Flamengo no estádio. Vitória de 2 a 1 sobre o Vasco, em 1971. Na partida, deu o passe para o gol de Fio Maravilha. Ídolo máximo da maior torcida do Brasil, Zico é o maior artilheiro do Maracanã com impressionantes 334 gols em 435 jogos.
Certo dia, em 1979, os dois reis se encontraram em campo juntos com o manto do Flamengo. O Galinho cedeu a 10 para Pelé. O Maracanã merecia este encontro e viu o time rubro-negro golear o Atlético-MG por 5 a 1.
Na despedida de Zico do Flamengo, em 1990, o Maracanã chorou em uníssono. Há quem diga que o estádio ainda chora até hoje.
Um Anjo de pernas tortas
Se o Maracanã teve dois reis, teve também um grande anjo. Com suas pernas tortas e seus dribles sempre para o mesmo lado, Garrincha transformava todo marcador em um João. Passava como queria e fazia da sua arte, a alegria do povo. Encantou não só os torcedores do Botafogo, como todos os amantes do futebol. Em sua homenagem, um busto foi colocado na rampa de entrada pela Avenida Maracanã.
Um desfile de craques
Da inauguração até os dias atuais, os melhores do esporte trocaram passes no gramado do Mario Filho. O primeiro gênio, entre tantos, talvez tenha sido Zizinho. Nelson Rodrigues dizia que “bastava os alto-falantes do Maracanã anunciarem o nome de Zizinho para saber quem seria o vencedor da partida”.
O estádio presenciou lendas. Viu o talento de Nilton Santos, as folhas secas de Didi, os gols de Dida. Puskas um dia veio jogar no Maracanã e encarou Evaristo de Macedo, perdeu.
Beckenbauer tomou um drible desconcertante de Pelé. Maradona quase fez um gol meio de campo na Copa América de 1989, mesma competição que viu nascer a dupla Bebeto e Romário. Rivelino comandou uma máquina. Roberto se consolidou como Dinamite por seus gols no Maraca. Messi foi vice da Copa do Mundo 2014 e Campeão da Copa América 2021.
Edmundo foi animal. Jairzinho, furacão. O Sócrates, assim como Rubens, foi Doutor. Renato, era gaúcho, virou carioca. Nunes decidiu. Assis e Washigton também. Bellini virou estátua. Dadá, Fio e Túlio, três Maravilhas!
Teve Rondinelli, teve Deus da Raça. Teve Ademir e sua queixada. Teve Bruno Henrique, Arrascaeta e Gabigol. Teve Junior Capacete, que foi de maestro a vovô garoto. Teve gol de Leandro do meio da rua. Teve Gerson Canhotinha. Teve Obina sendo melhor que Eto’o. Teve gol eterno do Pet. Teve Romerito e Geovani.
A lista é grande. Eusébio, Francescoli Di Stefano, Bobby Charlton, Mário Kempes, Platini, Rummenigge, Laudrup, Schmeichel, Ryan Giggs, Lampard, Rooney, Pirlo, Buffon, Iniesta, Xavi, Pogba, Griezmann e Benzema, Neuer, Klose. Estas são apenas algumas lendas entre tantas outras. Escolha seus craques internacionais favoritos. Opção não falta.
Uma nova história
Em 05 de setembro de 2010, não houve gols no Maracanã.
Não havia motivos para comemorar, os deuses do futebol não permitiram a felicidade naquele dia. Flamengo e Santos ficaram no 0 a 0. Triste. Sem graça. O placar eletrônico dizia “Até logo”.
O estádio fechou e voltou diferente. Mais arena, menos concreto. Bateu o saudosismo, a nostalgia. Seria o fim? Jamais! Uma nova história começou a ser construída. Novos craques, grandes times, mais um Copa do Mundo, desta vez em 2014, Jogos Olímpicos, com ouro do Brasil no futebol, finais de Libertadores com Palmeiras e Fluminenses campeões.
É o destino do estádio ser o maior do esporte. Talvez não mais em tamanho, porém, com certeza em aura, alma.
No aniversário do Maracanã, todas as torcidas se unem: Tarzan do Botafogo, Sérgio Aiub do Fluminense, Dulce Rosalina do Vasco e Jayme de Carvalho do Flamengo. Geraldinos e arquibaldos se abraçam e cantam juntos: o Maraca é nosso, ahá uhú.
Deixa bater no seu ritmo. Deixa fluir. Não se impressione com a falta de jeito, o importante é que ele não pare. Pois se parar, paramos todos. Entenda que suas emoções desregulam seu mundo. Falta de ar é sintoma. Nós sentimos você e também perdemos o fôlego. É o seu jeito. Cativa. Impacta. Coagula. Abala. Os olhos pequenos, puxados, compartilham um certo brilho. Iluminam. Sorriso seu, sorrisos nossos. O diagnóstico é sem trepidação, é pura cadência. Embora reticente em pausas seu coração é sempre quente. E não para!
É história de torcedor. Sim, e de alguns dos nossos melhores quadros. Vinda das memórias de Ricardo Muci e de Claudio Cruz, que estão entre os fundadores da Flamante e da Raça Rubro-Negra, respectivamente. Sei que dispensam apresentações, mas sempre é bom colocar os pingos nos “is”, dando o devido valor a quem ajudou a erguer a arquibancada rubro-negra.
Ouvi essa por acaso, nas lendárias cadeiras de ferro da Boca Maldita, na sede da Gávea. Trocava ideias com o Muci. Mas esperem, antes de dizer o motivo de toda esta crônica, abro um parêntese. Meio sem razão, sem vergonha de dizer, mas estou apenas criando expectativa.
Se vocês tiverem a oportunidade de conversar com o Muci, normalmente ali pelas mesas do Salete, perguntem sobre a origem do nome Flamante. Vão descobrir que a torcida quase foi batizada de Flamejante. É. Mas calma, havia um Ibrahim Sued no meio do caminho. E o jornalista, ao publicar em sua coluna sobre o nascimento da nova torcida, errou o nome ou não gostou e quis rebatizar. Foi feliz. E o pessoal não teve dúvida. O nome que o Ibrahim deu nos jornais era muito melhor: Flamante! E pegou.
Voltando às cadeiras de ferro da Boca Maldita. O Muci vira e me fala:
– Bicho, tem um jogo que, cara, ninguém mais fala. E a minha memória falha. Não sei mais quando foi. Sei que tinha até um quadro da arquibancada daquele dia na sala da Charanga, no Maracanã. O jogo das velas!
Fiquei curioso. Que diabo de jogo das velas? Uma partida importante do Flamengo que ninguém fala? Mas ele complementou, ainda sem esclarecer muito.
– A torcida estava lá em Moça Bonita, foi capa do “Globo”, do “Jornal dos Sports” ou do “Jornal do Brasil”. Pode ser “O Dia” ou “Última Hora”. Acho que foi na década de 1970. O quadro ficou por anos na sala da Charanga.
As informações aumentavam. Moça Bonita, década de 1970, com foto de capa em quase todos os jornais importantes do Rio. Tentei entender e pedi para ele explicar melhor.
– Me explica melhor? (Repetição de ideia para criar dramaticidade. Você entendem.)
– Rapaz. Foi um protesto. A Federação do Rio havia liberado jogos à noite em Moça Bonita. Os dirigentes, os jogadores, o Coutinho… Isso, eram os anos 1970. Te falei, né? Todos chiaram. Era um breu! Mas a torcida não ia deixar barato. Os refletores em Bangu não davam conta. Tínhamos o dever de ajudar, né? Então, meu amigo, tivemos a ideia: velas! Compramos milhares de velas! Levamos ao estádio Proletário e fizemos a nossa parte para melhorar a iluminação.
Eu não sabia bem o que pensar ao ouvir tudo aquilo. Milhares de pessoas em Moça Bonita com velas nas mãos. Uma procissão, um pedido de bênção ou… bem, apenas um bando de gente mostrando que a ideia de jogos à noite com aqueles refletores não era boa.
Não parecia nem real. Mas pior que era. Afinal, existia a tal foto, registrada em jogo não identificado e que podia ter sido capa do “JB”, “Globo, “O Dia”, “Última Hora”, enfim. Como achar isso?
– Rapaz, liga pro Claudio, o Claudio talvez lembre.
Liguei. Não lembrou. Top! Top! Top! (onomatopeia by Henfil. Significado: se fu… deu mal).
Mas somos flamengos e não desistimos nunca.
–Beleza. Mas do que você lembra, Claudio?
– De entrar na loja Fabrica de Velas que ficava ali na Marechal Floriano e pedir milhares de velas.
Eu ri, juro. Pois fiquei a imaginar a cena:
– Bom dia. Por favor, cinco mil velas.
– Oi? Cinco mil velas?
– Isso aí. É que a torcida do Flamengo precisa iluminar o estádio de Moça Bonita.
Vão dizer que não foi exatamente assim. Mas não quero saber, vou defender para sempre esta versão.
O Claudio não lembrava em qual jogo tinha sido. Não lembrava o ano, acreditava também que foi nos anos 1970. E o adversário? Bem, lógico seria dizer que foi o Bangu. Mas não era certo. E não foi mesmo. E eu sei disso, pois fui atrás.
Cuidado ao abrir. É que o “moça bonita” sempre complica buscas do Google.
Brincadeira. Mas a busca foi séria. Fui ao Flaestatistica. Vi os jogos do Mengo em Moça Bonita de 1976 a 1983. Com as datas, busquei no acervo de “O Globo” os horários dos jogos. Separei os que foram à noite. Eram três. Todos entre agosto e outubro de 1978.
Nada no site do Globo. Abri a hemeroteca da Biblioteca Nacional (BN). Não descobri nada no “Jornal do Brasil”, nem em “Última Hora”, nem “Jornal dos Sports”.
Estava no “Dia”, pensei. Me fu… dei mal! É que “O Dia” não está online.
Fui fisicamente na bela Biblioteca. Ia descobrir o mistério. Pois exatamente os meses que eu caçava não estavam lá. Restava a última opção. O acervo de “O Dia”. Consegui o contato com amigos. Primeira resposta não foi boa:
“Os meses que você quer não estão digitalizados, vamos olhar nos jornais físicos.” A segunda resposta: “Estes exemplares não estão entre os jornais físicos.” Pensei que seria o fim. Mas a moça do jornal não deixou de acreditar. Talvez estivesse no repositório dos jornais em restauração. Bingoooo! Estavam.
No dia 12 de outubro de 1978, o jornal “O Dia” trouxe em sua primeira página uma foto da arquibancada do estádio Moça Bonita durante o jogo Flamengo 3 x 0 Bonsucesso. Os gols? Tita, Zico e Cláudio Adão.
Na capa, torcedores e torcedoras rubro-negras seguravam velas acesas nas mãos. Entre todos, Ricardo Muci, Zé Vaz – ex-Charanga e fundador da Dragões Rubro-Negros, juntamente com o Ernesto Escovine – e Claudio Cruz.
A legenda dizia: “Como os jogadores, a torcida do Flamengo também não gostou da iluminação do estádio banguense e acendeu velas nas arquibancadas para gozar a falta de luz.”
Que “Dia”! Missão cumprida. Foto em mãos, levei para Ricardo Muci ver. Muito feliz, espiou a imagem por cima dos óculos e me agradeceu:
– Incrível. A torcida com as velas, eu novinho e a barriga do Zé Vaz continua na capa do jornal. Exatamente como eu me lembrava.
Moça, mulher, maravilhosa… mimo muito. Adorável, admirável, arriscaria abraçar acaloradamente, a apertar, a amigar… amantes amigam, acredite. Rindo? Jeitosa, justifica juras… já já juro. Ostento otimismo, ouso. Romântico, rabisco roteiros radiantes. Idealizo instantes. Ela é encantadora, exuberante, e eu especialista em elogiar eloquentemente… ela.