Por Denys Presman
(originalmente publicado no site: http://republicapazeamor.com.br)
É história de torcedor. Sim, e de alguns dos nossos melhores quadros. Vinda das memórias de Ricardo Muci e de Claudio Cruz, que estão entre os fundadores da Flamante e da Raça Rubro-Negra, respectivamente. Sei que dispensam apresentações, mas sempre é bom colocar os pingos nos “is”, dando o devido valor a quem ajudou a erguer a arquibancada rubro-negra.
Ouvi essa por acaso, nas lendárias cadeiras de ferro da Boca Maldita, na sede da Gávea. Trocava ideias com o Muci. Mas esperem, antes de dizer o motivo de toda esta crônica, abro um parêntese. Meio sem razão, sem vergonha de dizer, mas estou apenas criando expectativa.
Se vocês tiverem a oportunidade de conversar com o Muci, normalmente ali pelas mesas do Salete, perguntem sobre a origem do nome Flamante. Vão descobrir que a torcida quase foi batizada de Flamejante. É. Mas calma, havia um Ibrahim Sued no meio do caminho. E o jornalista, ao publicar em sua coluna sobre o nascimento da nova torcida, errou o nome ou não gostou e quis rebatizar. Foi feliz. E o pessoal não teve dúvida. O nome que o Ibrahim deu nos jornais era muito melhor: Flamante! E pegou.
Voltando às cadeiras de ferro da Boca Maldita. O Muci vira e me fala:
– Bicho, tem um jogo que, cara, ninguém mais fala. E a minha memória falha. Não sei mais quando foi. Sei que tinha até um quadro da arquibancada daquele dia na sala da Charanga, no Maracanã. O jogo das velas!
Fiquei curioso. Que diabo de jogo das velas? Uma partida importante do Flamengo que ninguém fala? Mas ele complementou, ainda sem esclarecer muito.
– A torcida estava lá em Moça Bonita, foi capa do “Globo”, do “Jornal dos Sports” ou do “Jornal do Brasil”. Pode ser “O Dia” ou “Última Hora”. Acho que foi na década de 1970. O quadro ficou por anos na sala da Charanga.
As informações aumentavam. Moça Bonita, década de 1970, com foto de capa em quase todos os jornais importantes do Rio. Tentei entender e pedi para ele explicar melhor.
– Me explica melhor? (Repetição de ideia para criar dramaticidade. Você entendem.)
– Rapaz. Foi um protesto. A Federação do Rio havia liberado jogos à noite em Moça Bonita. Os dirigentes, os jogadores, o Coutinho… Isso, eram os anos 1970. Te falei, né? Todos chiaram. Era um breu! Mas a torcida não ia deixar barato. Os refletores em Bangu não davam conta. Tínhamos o dever de ajudar, né? Então, meu amigo, tivemos a ideia: velas! Compramos milhares de velas! Levamos ao estádio Proletário e fizemos a nossa parte para melhorar a iluminação.
Eu não sabia bem o que pensar ao ouvir tudo aquilo. Milhares de pessoas em Moça Bonita com velas nas mãos. Uma procissão, um pedido de bênção ou… bem, apenas um bando de gente mostrando que a ideia de jogos à noite com aqueles refletores não era boa.
Não parecia nem real. Mas pior que era. Afinal, existia a tal foto, registrada em jogo não identificado e que podia ter sido capa do “JB”, “Globo, “O Dia”, “Última Hora”, enfim. Como achar isso?
– Rapaz, liga pro Claudio, o Claudio talvez lembre.
Liguei. Não lembrou. Top! Top! Top! (onomatopeia by Henfil. Significado: se fu… deu mal).
Mas somos flamengos e não desistimos nunca.
–Beleza. Mas do que você lembra, Claudio?
– De entrar na loja Fabrica de Velas que ficava ali na Marechal Floriano e pedir milhares de velas.
Eu ri, juro. Pois fiquei a imaginar a cena:
– Bom dia. Por favor, cinco mil velas.
– Oi? Cinco mil velas?
– Isso aí. É que a torcida do Flamengo precisa iluminar o estádio de Moça Bonita.
Vão dizer que não foi exatamente assim. Mas não quero saber, vou defender para sempre esta versão.
O Claudio não lembrava em qual jogo tinha sido. Não lembrava o ano, acreditava também que foi nos anos 1970. E o adversário? Bem, lógico seria dizer que foi o Bangu. Mas não era certo. E não foi mesmo. E eu sei disso, pois fui atrás.
Pesquisei. Google, jogo, velas, luz, iluminação, protesto, Moça Bonita.
Cuidado ao abrir. É que o “moça bonita” sempre complica buscas do Google.
Brincadeira. Mas a busca foi séria. Fui ao Flaestatistica. Vi os jogos do Mengo em Moça Bonita de 1976 a 1983. Com as datas, busquei no acervo de “O Globo” os horários dos jogos. Separei os que foram à noite. Eram três. Todos entre agosto e outubro de 1978.
Nada no site do Globo. Abri a hemeroteca da Biblioteca Nacional (BN). Não descobri nada no “Jornal do Brasil”, nem em “Última Hora”, nem “Jornal dos Sports”.
Estava no “Dia”, pensei. Me fu… dei mal! É que “O Dia” não está online.
Fui fisicamente na bela Biblioteca. Ia descobrir o mistério. Pois exatamente os meses que eu caçava não estavam lá. Restava a última opção. O acervo de “O Dia”. Consegui o contato com amigos. Primeira resposta não foi boa:
“Os meses que você quer não estão digitalizados, vamos olhar nos jornais físicos.” A segunda resposta: “Estes exemplares não estão entre os jornais físicos.” Pensei que seria o fim. Mas a moça do jornal não deixou de acreditar. Talvez estivesse no repositório dos jornais em restauração. Bingoooo! Estavam.
No dia 12 de outubro de 1978, o jornal “O Dia” trouxe em sua primeira página uma foto da arquibancada do estádio Moça Bonita durante o jogo Flamengo 3 x 0 Bonsucesso. Os gols? Tita, Zico e Cláudio Adão.
Na capa, torcedores e torcedoras rubro-negras seguravam velas acesas nas mãos. Entre todos, Ricardo Muci, Zé Vaz – ex-Charanga e fundador da Dragões Rubro-Negros, juntamente com o Ernesto Escovine – e Claudio Cruz.
A legenda dizia: “Como os jogadores, a torcida do Flamengo também não gostou da iluminação do estádio banguense e acendeu velas nas arquibancadas para gozar a falta de luz.”
Que “Dia”! Missão cumprida. Foto em mãos, levei para Ricardo Muci ver. Muito feliz, espiou a imagem por cima dos óculos e me agradeceu:
– Incrível. A torcida com as velas, eu novinho e a barriga do Zé Vaz continua na capa do jornal. Exatamente como eu me lembrava.
Como disse, história de torcedor!